segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Entre Corruptos e Chatos

O decisivo em uma sociedade é a cultura (costumes), e não as instituições (leis). Tocqueville é quem dizia isso e tinha toda a razão. Se a lei fosse decisiva, não teríamos de enfrentar os problemas que hoje enfrentamos no combate à corrupção.
Por um lado, no Brasil, o que não falta são leis. Mas temos de sobra, também, o desrespeito a elas. Por outro lado, a cultura brasileira consolidada no período colonial é a herança maldita do povo brasileiro. Hoje ficamos perplexos com a venda de votos e emendas orçamentárias pelos parlamentares, mas José Murilo de Carvalho (em seu excelente Cidadania no Brasil - o longo caminho) demonstra que já estava tudo lá, no período colonial: foi só ampliar-se o direito ao voto que os próprios eleitores deram-se conta de que havia nele um valor: um valor exprimível em moeda, ou favores.
Foi assim que evoluímos enquanto povo, naturalmente corruptos, ladeados pela cultura do "jeitinho", sem a consciência da cidadania, de civilidade, da noção de bem comum. Também nos escapa a noção de "alteridade", isto é, da existência do outro, e por isso a regra de ouro da filosofia ("como tu comigo, assim eu contigo"), mais tarde transformada no imperativo categórico kantiano, funciona tão mal por aqui. Minha tese é de que a corrupção começa em casa - inclusive na nossa casa. Não há diferença essencial  entre o sujeito que desvia dinheiro público e o sujeito que sai dirigindo seu automóvel depois de beber. Os dois descumprem a lei, por certo, e aí falha a instituição. Mas os dois demonstram total descaso pelo próximo e pelo bem comum, que no primeiro caso, se expressam nas políticas públicas que seriam atendidas com o dinheiro desviado, e, no segundo, na segurança de outros motoristas e do trânsito em geral, colocado em sério risco por condutores mais ou menos embriagados. Aqui está a falha cultural: a ausência de uma consciência coletiva, da assunção de limitações individuais em favor de um bem comum, muito maior. O fracasso da Lei Seca é, pois, o fracasso da nossa civilidade.
Assim como as pessoas em geral bebem e depois dirigem, elas também não se incomodam muito em ouvir música em volume que perturbe o sossego dos vizinhos, em estacionar em locais proibidos, em postar a imagem de amigos sem autorização na internet, em comprar CDs e DVDs piratas, ou produtos falsificados, em colocar mesas de bar sobre as calçadas, em se apropriar do iPhone alheio que foi esquecido em cima do balcão ("achado não é roubado", dirão), em comprar/vender uma receita médica,  ou em recomendar um remédio porque recebe patrocínio do laboratório, em conseguir uma cópia da prova do colégio antes que a mesma seja realizada, ou pedir ao professor que ignore faltas que existiram... São alguns desvios (uns pequenos, outros maiores) que todos nós já vimos acontecer e têm em comum o traço do descaso pelas instituições (regras) ou pelos outros e pelo bem comum.
O certo, é que a vigilância deve começar em casa, com a família e com os amigos. Por certo, também, é que ao nos tornarmos vigilantes e seguirmos tudo ao pé da letra (e por "tudo" me refiro: leis e ética), nos tornaremos, na visão dos nossos próximos, uns chatos de galochas. Seríamos a sociedade dos chatos! Mas se alguém conhecer uma sociedade assim, me avise, pois é pra lá que eu vou... Até porque, onde todos são chatos, ninguém mais o é.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Eu avisei...

Mulheres adoram dizer: eu avisei... "Eu avisei" representa a confirmação solene daquilo que a gente já sabe, isto é, que a gente sempre tem razão. Desta vez, vou dizer "eu avisei" pra todo mundo com quem eu conversei sobre o episódio envolvendo o Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI, acusado de ter estuprado a camareira do hotel onde estava hospedado, em Nova Iorque. Por alguma razão que desconheço, muita gente quis a minha opinião sobre o assunto - como se a minha opinião importasse alguma coisa!

De certo pensaram que eu iria me impressionar com a prisão espetacular do acusado, ou com o fato de que, para os norte-americanos, não tem essa de impunidade. Ou então, com o fato de que o sistema americano funciona não só para os ladrões de galinha, mas também, e principalmente, para os ricos... Olha, nada disso me impressionou, pois eu sempre soube que os irmãos do norte não toleram a impunidade como os do sul. O que me impressionou, isso sim, foi a facilidade com que se engoliu a versão divulgada pela imprensa, e por isso eu dizia que eu só acreditaria em tudo depois de provada a acusação. Eu não sou nem um pouco garantista, mas devo reconhecer que o Dominique é o melhor exemplo do quanto se deve levar a sério a presunção da inocência e as outras garantias constitucionais implicadas pelo direito de defesa, pois elas existem não para proteger o safado, e sim para aqueles que, ao fim e ao cabo, foram injustamente acusados.

Dominique não devia ser nenhum santo e, dizem, pagou por um passado sedutor e indiscreto. Mas isso não o torna, automaticamente, o estuprador daquela que o acusou. Desde o início, achei aquela história toda muito estranha e desconfiava de que tudo fosse uma grande armação. Meu colega Guilí é testemunha. Mas minha percepção não se deve a nenhum atributo especial que eu possua, nem inteligência, nem genialidade, nem vidência, nem coisa nenhuma! Eu simplesmente tenho uma mente fértil em matéria de bobagens e me pus a imaginar a cena que corresponderia à versão contada pela suposta vítima daquele ataque sexual. Então, caros leitores, divirtam-se um pouco e imaginem comigo a cena que ela descreveu à polícia: Dominique, 63 anos (63 mas "corpinho" de pelo menos 75), estava tomando banho quando a camareira entrou no quarto. Saiu do banho pelado, com sua bunda branca e seu barrigão todo molhado, e pôs-se a correr atrás da mulher pelo quarto, agarrou-a e obrigou-a a desempenhar sexo oral nele até que ele atingisse o orgasmo. Oui, oui, oui! Muito bizarro... Sabe-se lá quanto tempo leva para um senhor de 63 anos, sem Viagra, atingir o orgasmo, enquanto, desarmado, se esforça para manter a jovem camareira sob "violento" controle e ritmo, ao mesmo tempo em que se concentra para atingir o climax. (Ou então, é tudo verdade e esse cara deve ser um herói!)

Francamente, a cena é hilária, mas o FBI não achou graça. Então queriam me convencer de que a pobrezinha não teve como resistir à terrível ameaça do senhor pelado e grisalho, baixinho e barrigudo, que não é nenhum Stalone, portanto. E de que a prisão cinematográfica não devia ter nada a ver com o fato de Dominique estar liderando as pesquisas para a presidência na França e ser, na condição de diretor do Fundo Monetário Internacional, um dos homens mais poderosos do planeta...

Pois então, não comprei o estupro do Dominique nem por um minuto, simplesmente porque a cena descrita pela vítima parecia altamente inverossímil, era só ter o trabalho de parar e imaginar tudo. E morrer de rir... Pois então, em nada me surpreende esta reviravolta no caso, em que as versões se mostraram insubsistentes e os pagamentos que as sustentavam começaram a aparecer. Eu sei que existe muita violência sexual contra as mulheres e não quero minimizar esta realidade através do meu desdém por este episódio. Mas, como mulher, não me imaginaria muito indefesa diante de um senhor de baixa estatura, cabelos brancos, correndo pelado, molhado e desarmado pelo quarto. E o velho chute no saco, porque ela não usou?!

Que isso sirva de lição aos homens sem critério na hora de buscar satisfação sexual. Vejam o pobre Dominique que, n'importe quoi, já está ferrado. Depois não digam que eu não avisei...

terça-feira, 31 de maio de 2011

Idiotas!

A postagem anterior, sobre o "preconceito linguístico", me fez lembrar parte de um texto que li há algum tempo, que reflete a triste realidade do mundo, em geral, e do nosso país, em particular. 

Idiotas!
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Folha de São Paulo, 02.06.05
(..) O fenômeno é relativamente recente. Os idiotas sempre foram maioria, desde tempos imemoriais. Só que antigamente o idiota era submisso e humilde. Não se aventurava fora de limites estreitos e bem definidos. De repente (mais precisamente no século 20), ocorre a sublevação jamais vista, nunca imaginada. Os idiotas descobrem o óbvio: "Somos maioria, esmagadora maioria". E passaram o trator por cima dos melhores. Começaram a se projetar em escala global (a própria "globalização" é, no essencial, obra límpida e inequívoca dos idiotas).

Os papéis se inverteram. Funções e responsabilidades antes reservadas aos melhores passaram a ser exercidas por idiotas de babar na gravata. Qualificações exigidas: alguma habilidade, marketing, jogo de cintura, 
palavra fácil e audácia. Com base nisso, passaram a governar países, dirigir empresas, dar aulaspublicar livrosproferir conferências, conceder entrevistas etc.

Na nossa época, os inteligentes, os sensíveis, os profundos vivem totalmente acuados. Para não serem massacrados, muitos simulam idiotice. Nelson Rodrigues falava dos "falsos cretinos", sujeitos inteligentes e até excepcionais que se vêem, entretanto, compelidos a disfarçar o seu talento como se se tratasse de alguma mácula, algum pecado, alguma tara vergonhosa.

É claro que em outras épocas sempre havia um ou outro idiota em posição de destaque. Mas agora os idiotas estão em todas as áreas e dominam grande parte da cena.
 (...)


domingo, 29 de maio de 2011

David Coimbra, o fim do mundo e "os idiota".

Se você acha que há um erro de concordância no título desta postagem, cuidado! Você pode ser tachado de preconceituoso. Sim, você estará praticando o chamado "preconceito linguístico", algo que você NÃO deve manifestar ao ouvir alguém dizer "nóis pega os peixe", sob pena de ser chamado de reacionário!

"Preconceito linguístico" é o debate da moda. Eis aí uma das expressões mais ridículas que eu já ouvi e chega a ser inacreditável que, no Brasil de hoje, "intelectuais" basicamente ensinem às crianças que falar errado está certo.  Isto é, seria inacreditável se: (a) o Tiririca não tivesse sido o deputado mais votado do país, (b) se o debate não contasse com a chancela do MEC em defesa de quem fala errado e (c) se o MEC não estivesse inserido num contexto governamental onde tanta coisa errada é feita como se fosse certo.

Quem melhor sintetizou esse debate do preconceito linguístico foi o David Coimbra (vale a pena conferir: http://wp.clicrbs.com.br/davidcoimbra/2011/05/26/aos-que-me-chamam-de-imbecil-com-carinho/?topo=77,1,). Eu sempre gostei do David Coimbra. Mas agora eu ADORO o David Coimbra, por duas razões:

Primeiro, porque com ele eu conquistei meu salvo conduto para dizer palavrões à vontade. É que, se alguém não gostar, eu estarei sendo, simplesmente, vítima de preconceito linguístico. Talvez a celeuma tenha valido só por isso...

Segundo, porque lendo a postagem que ele, carinhosamente, dedicou aos que o chamaram de imbecil, eu deixei de temer o fim do mundo. Acompanhar os ataques que foram dirigidos ao David porque ele disse o que pensa (e porque pensou certo) deixou-me, finalmente, convencida de que não é que o mundo possa acabar -- o mundo DEVE acabar!(1)

Não sei se quero estar viva para assistir à tomada do mundo pelos idiotas. Ou pelos idiota -- sem preconceito linguístico.

________________________
(1) A frase genial, cunhada pelo José Simão, refletia a perplexidade do gênio com o fato de, no Poder Legislativo, termos o Dep. Tiririca na comissão da educação, o Dep. Jair Bolsonaro na comissão dos direitos humanos, e o Sen. Renan Calheiros no Conselho de Ética... Como ele disse, não é que o mundo possa acabar, o mundo tem que acabar!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Taxa de Inspeção Veicular: Quando os Meios Não Levam aos Fins

Essa taxa de inspeção veicular tem mesmo que gerar debates, pois as propostas surgem cada vez mais contraditórias.
Primeiro, foi a constatação de que o primeiro lote a ser inspecionado é o dos veículos mais novos. Justamente aqueles que já foram fabricados sob uma política de necessidade de redução na emissão de poluentes!
Agora, fala-se em dar desconto no valor da taxa aos automóveis fabricados antes de 1987, e o Detran, para não assustar os donos de carros mais velhos (justamente aqueles responsáveis pela maior emissão de poluentes), afirma que "as exigências da inspeção serão adaptadas ao ano de fabricação".  Eis aí um belo eufemismo para revelar que essa inspeção veicular não vai dar em nada, pois quem mais polui será inspecionado sob critérios mais flexíveis, para poder continuar poluindo. Afinal, seria politicamente incorreto adotar medidas para tirar os ferros-velhos de circulação e deixar os menos aquinhoados sem meio de transporte. Pobre dos pobrezinhos: continuarão indiretamente incentivados a comprar carros velhos e sem a menor condição de circular com segurança física e ambiental. Isso para não utilizarem o transporte público, já que até pobre sabe: é muito caro, muito demorado, super-lotado. A melhor alternativa, então, é continuar com o carro-velho, poluindo e se endividando para mantê-lo em condições de ser inspecionado. Parêntesis: como o mercado sempre se adapta rapidamente às novas exigências, estou até antevendo a criação de um serviço de locação de pneus novos, apenas para o carro fazer bonito na hora da inspeção... Me engana que eu gosto!
Enfim, se eu entendi bem, para melhorar a circulação e racionalizar a emissão de poluentes, escolheu-se o meio da inspeção veicular (com aqueles critérios flexíveis, lembre-se). Custo zero de implementação para o Estado, pois basta uma lei.
Investir na otimização do transporte público para torná-lo, efetivamente, uma alternativa ao público, exige mudanças estruturais e também dinheiro, ou seja, dá muito mais trabalho do que apenas discutir o remendo legislativo da inspeção. O Estado teria que trabalhar - um verdadeiro insulto para quem já se acostumou ao placebo legislativo! Então, vamos à inspeção veicular, ainda que o meio escolhido não leve aos fins desejados.
Será que eu perdi alguma coisa?

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Bin Laden, Direitos Humanos e o Lado Humano de Cada Um

Estávamos todos lá, professores da Faculdade de Direito -- alguns de nós professores de um Curso de Mestrado em Direitos Humanos -- numa discussão de alto nível intelectual sobre a operação que capturou e matou o líder do Al Qaeda, Osama Bin Laden.
De um lado, aqueles que destacavam o desrespeito aos direitos humanos pelos Estados Unidos (que deveriam, supostamente, dar o exemplo de proteção) por atirar em um sujeito que, nas circunstâncias, encontrava-se indefeso ou, senão tanto, sem condições de oferecer resistência "à altura".  Diziam que uma nação que pretende ser o norte de civilidade e respeito aos direitos de liberdade deveria ter levado Bin Laden a um julgamento nos padrões ocidentais, dentro do due process of law,  que seria tudo o que ele repudiava. Assim, daríamos ao mundo a prova definitiva de que a civilização ocidental tem condições de fixar os standards éticos universais na proteção dos direitos do indivíduo.
De outro lado,  defendia-se a operação sob os mais diversos pontos de vista. Do ponto de vista estratégico, defendia-se que a ordem para matar Bin Laden consistia em damage control e não poderia ser de outra forma, pois mantê-lo preso aguardando julgamento estimularia uma série de novos atentados, além da já conhecida chantagem para a libertação de prisioneiros capturados, que consiste basicamente em atentados à bomba ou sequestro, tortura e assassinato de civis ocidentais, tudo televisionado para a internet, com o fim de demonstrar que os malvadões são os militares americanos que não libertam os presos do Al Qaeda. Uma espécie de estado de necessidade. Do ponto de vista jurídico, destacava-se a proteção dos direitos humanos dos cidadãos americanos, que tiveram os sagrados direitos à segurança e ao sossego ceifados por Bin Laden no terrível ataque às torres do World Trade Center e que, desde aquele triste episódio, vivem sob constante ameaça. Daí se avançou na discussão para determinar se a constante ameaça imposta pelo terrorismo preenchia o conceito de ameaça injusta, atual e iminente, o que então justificaria uma atuação em legítima defesa (da nação)...
Tudo muito técnico e politicamente correto (como são quase sempre as discussões em torno dos direitos humanos) e todos nós muito controlados para nos mantermos dentro dos padrões de objetividade que uma discussão séria idealmente exige... Até que alguém fez o seguinte comentário:
"-- Para mim, a operação teve um único defeito: os americanos deveriam ter torturado o Bin Laden antes de matá-lo. Só matá-lo foi um fim muito simplório para um questão tão complexa..."
O tom foi de brincadeira e mudou o rumo da discussão, afinal, abriu-se uma fenda na represa e o lado humano de cada um começou a jorrar que nem a água das Cataratas do Iguaçu. Aí foi o concurso da "brincadeira" mais politicamente incorreta, sendo as brincadeiras o inocente condutor do nosso lado mais visceral, vingativo, cruel e justiceiro. Foi também a parte mais divertida daquela manhã, pois meus amigos e eu somos, realmente, criativos.
Moral da história: existem os diretos humanos. Mas também o lado humano de cada um.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Bandido Bonzinho?

A vida era menos complicada quando podíamos vê-la por apenas dois extremos: preto e branco, certo e errado, bem ou mal. Hoje há tantas zonas cinzentas que chego a ter saudades do tempo em que se podia adotar o maniqueísmo. Isso porque, em vez dele, só me resta o cinismo.

No domingo fui assaltada dentro da minha própria casa. Aquele santuário, ou porto-seguro, para onde corremos quando estamos cansados após um dia longo de trabalho, ou tristes, ou decepcionados, aquele lugar onde repousamos e recuperamos as nossas energias, onde amamos e somos amados, onde nos sentimos seguros, "em casa", aquele santuário acabou - para mim e principalmente para os meus filhos. Ontem, depois da escola, eles não queriam vir para casa. Que coisa mais triste quando uma criança não se sente segura em casa. Para onde ir, então?!

Fomos rendidos por homens fortemente armados, bem articulados e pós-graduados em seu ofício. O controle da situação era tamanho que eles estavam calmos e até gentis. Não usaram de violência física e nem precisariam, pois quando se tem filhos pequenos assistindo a tudo, reagir nem passa pela nossa cabeça. Nos tornamos obedientes e submissos, atendendo a todas as solicitações com diligência, internamente rezando para que tudo termine bem e logo. Com tanta cooperação, o cofre foi limpo rapidinho e em poucos minutos as jóias herdadas da família que continham uma história mais importante que o seu valor, os bens adquiridos durante anos com o produto de árduo trabalho, muitos em comemoração a momentos especiais, tudo vai parar em um saco escuro e dali tomam o rumo de estranhos que ficarão felizes com as novas e fáceis aquisições.

Não chorei a perda dos relógios e jóias que se foram, e nem vou chorar. A diversão e o prazer que esses bens proporcionam não está em apenas tê-los, e sim em todo o processo de adquiri-los, que começa com trabalhar em algo que se gosta, fazer as coisas bem feitas, receber o reconhecimento e uma remuneração por isso, e só então se chega ao "poder ter" esses objetos de desejo. Por isso, tendo uma profissão de que me orgulho e um trabalho do qual eu tanto gosto, minha alegria já voltarei a sentir amanhã, quando tudo recomeçar.

A satisfação que se encontra em todo este processo um bandido jamais terá. Ele pode ter um Rolex agora, mas cada vez que olhar as horas, terá um motivo para se envergonhar. Isso jamais aconteceu comigo, muito pelo contrário, tudo o que tenho sempre me deu orgulho, porque foi conquistado honestamente num processo em que eu me conduzo com alegria e altivez. Por isso não consigo entender o bandido que rouba simplesmente para consumir esses objetos de desejo ou para vendê-los e consumir outros objetos (ou, o que me parece mais provável, para expandir os seus negócios, pois estamos falando de uma quadrilha com um business bem consolidado no mercado).

Se o cara rouba para dar de comer aos filhos, eu seria a primeira a reconhecer que eu talvez fizesse a mesma coisa se este fosse meu último recurso - veja bem, último mesmo. Mas nossos queridos bandidos não tinham cara de estar passando fome e tampouco pareciam desesperados. Estavam tranquilos, até deixaram que eu ficasse com minha aliança de casamento e meu crucifixo. Nos ofereceram água durante as duas horas de cativeiro na adega do meu vizinho, quando estávamos amontoados junto com outras vítimas do assalto, que ocorreu em vários apartamentos.

Aí, vem o dilema das zonas cinzentas. Depois de tudo acabado, meu filho, com 7 anos, que fora condenado pelos bandidos a não dizer uma palavra sequer durante o cárcere, começa a formular as perguntas até então represadas: - Mãe, porque os bandidos escolhem ser do mal? - O pai e a mãe deles não ficam tristes com eles? - O nosso bandido era bonzinho? (outros bandidos de outros apartamentos não foram tão bonzinhos como os nossos)

Perguntas que eu, fã incondicional do Coronel Nascimento, não sei responder. Para mim, os bandidos são do mal, mas, é possível argumentar, entre os bandidos do mal, alguns são mesmo bonzinhos, e por aí vai...  Então, "bandido bonzinho" é uma contradição em termos, mas, ao mesmo tempo, uma realidade. A grande contradição é que, os caras entram armados na minha casa em pleno domingo, traumatizam os meus filhos, levam as minhas coisas e eu ainda tenho que me sentir feliz e agradecida porque nada pior me aconteceu, já que ninguém morreu ou sofreu violência física. E com este triste cinismo temos que levar a vida, felizes e sempre torcendo para que só o mal (e nada pior) nos aconteça. Que país de merda!

Certo estava o Delfim Neto que dizia que o Brasil só tem uma saída: o aeroporto do Galeão.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

U2: Me Too!

Cristo Redentor was competing to become the 8th Wonder of the World. As a Brazilian, of course I think that Cristo Redentor is very cool, but I must recognize that it could never be the 8th Wonder if the entourage for the U2 360° Tour was at the competition.  THAT, my friends, THAT was a true wonder.
Several reasons can be pointed to reach this conclusion. From the high-tech all-inclusive 360° screen, to the sharp images and messages on display and the superior quality sound, everything about the concert was highly appealing.  
Also, differently from a rather beautiful stone frozen Christ, Bono Vox is a beautiful living human God. That’s the main reason. He carries away his audience from the very first minute. He’s a fair play when he sings the line: – Are you ready for the real thing? But he knows he’s just getting started. And he delivers – the REAL THING – for about two hours, to our greatest enchantment.
The four of them – Bono, The Edge, Larry and Adam – make a real/magical and unique team. Many things place U2 in the highest place for bands from the 80’s, the 90’s and the 2000’s, leaving the second best (whoever it may be in your opinion) miles away behind. I will argue a few.  
They have been together for more than 30 years. They survived the common placed fights over who’s the biggest shot, who should get the biggest share of  the profits, who should go on solo… They understand the value of union and the power in it. Videos with the four of them in the beginning of their careers (possibly in the early 80’s) are on display from time to time in the 360° screen and they’re overwhelming. 
One of my friends, who is a musician, said that U2 is all about their high standard marketing, because their songs are no better than those from Deep Purple’s or Led Zeppeling’s or the Rolling Stones’. Oh, come on!  I have argued that, as a whole, U2 is far better than any other band. 
It’s not just about their songs – and, by the way, the songs themselves would be enough to dismantle the others: if you pay attention to their lyrics, you will find really beautiful songs -, because there’s so much more into their music. Until U2, all the other bands were self-absorbed in their own music and in their tiny-little-environment. They sang to their own amusement, to their belly-buttons, or to simply afford their luxury micro-cosmos.  U2 used its music to reach out to the people’s hearts and minds, to show the world that there’s a greater cause, one that’s bigger than us.  In great part, their social consciousness goes back all the way to their hometown and childhood, among the conflicting Southern and Northern Ireland and many Bloody Sundays, Mondays and so forth. It means, they have a history that’s part of them, which they didn’t wipe away like marks on a chalkboard. And that’s how they brought quality content to high standards marketing – and that’s a pretty big difference.
This previous point leads me to another. U2 is not just U2, it’s me too. It’s an engaging band. It’s name shortens the expressions You Too. And Bono has been using this engaging power to help the most removed people and places in the world. This means they practice their speech – another pretty big difference.
Then, there is their music. There’s little to argue here. Someone who puts “touch me, take me to that other place” in a song, gets all the respect from anyone who’s been there, in love in that other place that magically materializes by a single touch – including me, and I named that other place "Mars".
I know this is just my subjective humble opinion, but I have been a big U2 fan for more than 25 years (and that’s more than half my life) and the 360° concert made me feel vindicated. I was right to love them since their very beginning and felt gifted for just being there. I am sure that many of my statements will be supported by the other 49.999 fans that were at Estadio de La Plata, on last Saturday, with me. That’s because U2 is simply the best pop band ever, and that’s not on the table for discussion anymore.
One might ask why I am writing in English, but that’s an easy answer. That’s because Bono Vox might end up reading it. Think I’m crazy? Not at all: on Friday night, when I was waiting for a cab in front of Casa Cruz restaurant, Bono was leaving the night club right beside and walking to the van that was ready, opened doors, just waiting for him. All alone in the curbside, no crowd there except for me and the friends I was having dinner with. Bono Vox stood 5 feet from me. All I could say, in a trembling overwhelmed voice, was “Bono, we love you!”. And all he said back was just enough: “Thanks guys”.

Bottom line: anything can happen. To U2 and to me too.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Bendito Seja Luiz Fux!

Valeu a pena esperar. Chegou alguém para nos salvar da hipocrisia retórica! Esse alguém é o Ministro Luiz Fux, a mais nova jóia do STF. Chego a pensar que um dia posso vir a gostar da Presidente Dilma, afinal, foi ela quem o nomeou para o cargo de Ministro do STF - uma escolha de estadista.
O Ministro já mostrou a que veio. Seu primeiro gol foi marcado no julgamento da lei da Ficha Limpa, ontem (para acompanhar o caso, vide postagens de outubro do ano passado). Ele considerou que a aplicação da lei à eleição passada foi inconstitucional, uma vez que a Constituição determina que as leis que alteram o processo eleitoral somente devem se aplicar às eleições ocorridas após um ano da publicação.  Do meu ponto de vista, o Ministro apenas disse o óbvio, mas como a questão estava empatada em 5x5 no Tribunal,  houve 5 ministros que nublaram qualquer obviedade. E agora, por culpa deles, dos populistas que quiseram passar por cima da Constituição só porque a lei era moralmente boa apesar de violar, em alto e bom som, o direito fundamental à presunção de inocência, haverá uma re-alocação nas cadeiras do Congresso. Tem que ser assim, infelizmente. É a Constituição que está convalescendo. Alguns "fichas-sujas" vão ocupar suas cadeiras - e este é o custo de se respeitar uma Constituição feita para o bom cidadão.
É preciso que se entendam duas coisas na lógica do STF: primeiro, a Constituição tem que ser mantida incólume. Se permitirmos uma violação ao artigo 16 hoje, nada impede que apareça outra violação ao art. 5˚ amanhã, e outras aos demais artigos (os que protegem o bom cidadão) em seguida. Segundo, é preciso que se diga, se os fichas-sujas vão ocupar suas cadeiras, é porque o eleitor os elegeu. O STF é muito cioso do regime democrático em suas decisões e tem um enorme respeito pelo Poder Legislativo, e pelo Povo, que escolhe os seus membros. E, assim, tem respeito também pelo eleitor, pois sabe que é ele o responsável pela faxina que deve ser feita no Congresso. Sim, porque nós, o Povo, é que temos a vassoura na mão para varrer a sujeira do Congresso Nacional e isso ninguém tomará de nós.
Seguremos com firmeza, então, nossas vassouras, e vida longa a Luiz Fux!

quarta-feira, 16 de março de 2011

Coisas Que Não Deveriam Ter Sido Inventadas

Inicio aqui uma lista com coisas que não precisavam ter sido inventadas. Aceito contribuições, devidamente justificadas.

Calça Cenoura (e também a Calça Saruel)

Eis aí uma criação fashion que poderíamos passar "sem". O próprio Ronaldo Fraga, que criou a calça cenoura, diz ser um de seus arrependimentos... Pelo menos, são calças democráticas: deixam todas as mulheres gordas. Ou seja, socializam a feiúra.





Chinelota

Nos dedos, parece um chinelo, mas do calcanhar para cima é uma bota. Cruza de avestruz com cruz-credo. Dispensa maiores comentários.





Energia Nuclear

Uma brincadeira que vai custar caro, muito caro. O Japão já está pagando a conta. De novo.

terça-feira, 1 de março de 2011

Direito à Privacidade?

Uma das primeiras lições de Direitos Fundamentais, que se aprende em qualquer livrinho sobre o assunto, são os atributos que qualificam esses direitos. Na teoria, os direitos fundamentais são absolutos, inalienáveis, indisponíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis. Sendo absolutos, não poderiam ser relativizados; sendo inalienáveis, não podem ser vendidos; sendo indisponíveis, não podem ser negociados em favor de terceiros; sendo irrenunciáveis, são da pessoa ainda que ela não os queira;  e, sendo imprescritíveis, são direitos que não "morrem", e podem ser sempre e a qualquer tempo defendidos.

Graças a Deus não sou mais professora de direitos fundamentais! Era um drama pessoal explicar uma teoria tão divorciada da prática, e uma prática tão divorciada dos ideais humanitários que encontramos na origem desses direitos -- ideais daqueles que lutaram e morreram na Queda da Bastilha, por um Estado menos tirano e uma sociedade mais protegida, igualitária, solidária, e, acima de tudo, livre - livre para pensar, se expressar, trabalhar e para enriquecer também. Se os franceses soubessem o que se faria com esses direitos depois da virada do segundo milênio, talvez não tivessem se esforçado tanto... O que se vê na atual quadra do (sub)desenvolvimento é um monumental desprezo por muitos desses direitos.

Nem vou falar de direitos sociais, como o direito à saúde, que demandam investimentos e gastos pelo Estado para serem satisfeitos - sim, perguntem a quem está na fila do SUS e eles dirão: saúde não vale nada neste país. Falo daqueles outros direitos, do tipo "custo zero" para o Estado, cujo respeito a gente costuma exigir dos nossos concidadãos. Veja-se o que aconteceu com o direito à privacidade...

Sim, acreditem, a privacidade é um direito fundamental! Está lá, no art. 5, inc. X, da Constituição Federal. Então façamos o teste: como sustentar aqueles atributos de inalienabilidade, indisponibilidade e irrenunciabilidade à luz do BBB? O Big Brother Brasil é só um exemplo microscópico do quanto temos desprezo pela privacidade. Os Brothers abrem mão da sua privacidade sem o menor constrangimento, em troca de contratos publicitários, ou simplesmente da chance de ganhar 1 milhão de reais. Mas esta é uma tendência sem retrocesso. As pessoas gostam de aparecer. Adoram. Basta ver os sites de relacionamento. Está tudo lá, inclusive documentado com fotos.

Ainda não cheguei a uma conclusão sobre qual seja a motivação do desejo de aparecer, de ser notado. Talvez seja algo relacionado ao papel que a impressão do outro (o alter) exerce para a nossa auto-estima. Mas, me pergunto, será que quanto mais o outro sabe sobre nós, mais ele gosta de nós? Devia ser o contrário, pois quanto mais a gente se expõe, mais aparecem nossos defeitos, nosso exibicionismo, nossa loucura, nosso mau-gosto, nossa breguice, nossa humanidade... E o Caetano já dizia, sabiamente: "olhando de perto, ninguém é normal".

Hoje se vive uma espécie de alteridade às avessas. Alteridade significa ter a consciência de que o outro existe, e, assim, convivemos e interagimos em sociedade, sempre ciosos dos limites que não devemos trespassar. Alteridade é, assim, conceito ímpar para a civilidade. Mas o que se vê hoje é uma necessidade, muitas vezes insaciável, de que "os outros saibam que eu existo". Ou seja, em vez de eu saber que os outros existem, são os outros que têm de saber que eu existo e assim eu lhes imponho essa consciência.

Talvez um dia se fale no direito de aparecer como um direito fundamental... Aparecer de um jeito que vai muito além do uso de ferramentas para a nossa liberdade de expressão, de um jeito que nos permita invadir o alter goela abaixo. Alguém sugere um nome pra isso?!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Falou e Disse

"A política é a única atividade humana que não admite espaços vazios e, se os íntegros, cultos e competentes se omitem, estas lacunas serão imediatamente ocupadas pelos desonestos, maquiavélicos e trambiqueiros. Nada mais propício ao oportunista e ao mau-caráter do que uma geração despolitizada."
(José J. Camargo - A Dolorosa Morte da Ideologia - Opinião, ZH 16/02/2011)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Custo Prada

Diz a lenda que o Diabo veste Prada e mulheres como eu, de vez em quando, ficam mesmo endiabradas (e bem burrinhas, diga-se de passagem). De toda viagem que se preze, trazemos compras na bagagem - e as profissionais sabem, comprar bem é uma arte. Não é só o péssimo hábito consumista que nos consome de forma subliminar. É que as compras vendem (além da sensação de poder) a ideia de que, finda a viagem, as sensações e o prazer de estarmos fora, num lugar que escolhemos e desejamos visitar, se prolongarão através das fotos, souvenirs e, no meu caso, também dos sapatos...

Sendo assim, é natural que se faça uma visita à loja da Prada. A Prada entende mulheres que, como eu, gostam de si mesmas e não se rendem à pura vaidade e ao sofrimento do salto alto. Por isso, ela tem sempre opções bonitas, com salto baixo e até sem salto - sem cara de sapato da vovó. Tenho que prezar a Prada, porque o maior obstáculo entre mim e os mais belos sapatos do mundo é sempre o tamanho do salto: de cima deles, me sinto uma gazela desengonçada, não tem jeito. Mas, como eu disse, a Prada me entende e sempre tem alguma coisa pra mim. Só que minha visita à loja da Prada em Zurique tirou toda a magia da arte de se enamorar e comprar um sapato veramente italiano, um sapato confortável desde o primeiro dia e que faça bonito em qualquer ocasião - que se pague, portanto.

Então lá estava eu na Prada em Zurique. E descobri que não há nada como uma liquidação para tirar o glamour de certas coisas. Ao descer no subsolo, onde estavam os sapatos, a vendedora me informou que eles estavam on sale (antigamente esta era uma palavra mágica, hoje já não sei...), com 50% de desconto. A cena era de total desolação, um monte de caixas empilhadas com os sapatos por cima, parecia coisa de outlet de sapato de quinta em Capão da Canoa. Olhei, olhei, olhei e torci o nariz pra tudo. A vendedora me olhava ansiosa, de certo achava que eu ia me atirar na tal liquidação, o que, de certa forma, me subestimava. Afinal, ali estava o resto da coleção de inverno, ou seja, os sapatos que ninguém quis - e porque eu os ia querer? Também me subestimava por achar que eu seria estúpida de pagar 300 euros (já com o desconto de 50% sobre o preço original de 600) por sapatos horrorosos só porque eram da Prada. Uma ofensa!

Decepcionada, pedi para ver as bolsas, mas não consegui ir adiante nas compras pois não parava de pensar naquela pilha de sapatos que logo desencadeou outra série de elucubrações. Imaginei a Prada comprando na China sapatos horrorosos só para vender na liquidação com a etiqueta Prada, para semi-idiotas como eu. Transformando magicamente o preço de um sapato que na China deveria custar, se tanto, EUR 8,00, em 600,00, para vender a 300,00 com um desconto de 50% e deixar as clientes faceiras por terem feito um ótimo negócio...

Fiquei pensando: - como a Prada consegue cobrar 600 no lançamento, e depois 300 na liquidação, por um sapato que vale 8?! Foi então que desvendei o custo Prada, fazendo mentalmente uma conta análoga à da propaganda do Mastercard. Aluguel na melhor rua central de Zurique: 12 mil euros mensais. Loja padrão, finamente decorada: investimento de meio milhão de euros (está incluída a iluminação especial e os espelhos que fazem a nossa pele parecer maravilhosa). Vendedoras que falam vários idiomas: 3 mil euros mensais cada uma, sem as comissões. Água e cafezinho para os maridos das clientes: 10 euros. Sofá onde eles ficam esquecidos enquanto esperam emburrados: 2 mil euros. Temperatura ambiente: 800 euros mensais. Lindas embalagens e sacolas: 2 euros cada. Sem falar que em toda loja cara tem aquele vendedor bronzeado, com um sotaque italiano carregado, magro, alto, de cabelos negros, fartos e brilhosos, com um sorriso perfeito, que está sempre indo fazer alguma coisa perto de onde nós estamos e se detém ao se surpreender com os nossos pés, que são sempre lindos, ou com o tal casaco que nos caiu tão bem: esse sujeito, naturalmente, não tem preço!!! Assim, um sapato de 8 passa a 600 e sai por 300, num ótimo negócio para as cliente espertas...

Desvendar o custo Prada foi como mágica para mim. O produto é secundário e, para simplesmente estar ali, não valia pagar 300 euros. Agradeci à vendedora com gentileza e dirigi-me à saída sem nenhum euro a menos na carteira, nenhuma sacolinha na mão, triunfante! Eu não caí no conto Prada!

Naquela tarde mudei meus planos, nada de perambular pelas lojas na arte de comprar bem. Baixei um novo livro no meu Kindle e sentei num café para ler, tomando um chocolate quente e olhando de vez em quando o movimento. Me senti realmente inteligente, altiva... superior!!! Toda essa superioridade durou exatos 10 dias. Terminou na Itália, justamente na loja da Prada em Firenze. Agora, toda colorida com a recém-chegada nova coleção, lindamente exposta e pelos velhos muitos euros... Ai ai... Me engana que eu gosto!!!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Silêncio Eloquente

Quando uma mulher opta pelo silêncio, tenha muita cautela.
Mulher só se cala em sinal de protesto.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Em Busca da Felicidade

Outro dia ouvi uma história incrível, contada por uma amiga inteligente, descolada e viajada, dessas cidadãs do mundo. Fiquei fascinada e comovida. Claro que vou narrá-la do meu jeito e sem riqueza nos detalhes, mas ainda que adicione um pouquinho de ficção, na essência é tudo verdade.

Cena 1:
Bangkok, Tailândia. 20 horas de vôo para atender o convite a um casamento gay. O noivo 1 era um amigo dos tempos de Harvard, um suíço super-hiper-mega bem sucedido no meio empresarial. Tem que dizer isso, pois, no imaginário popular, gay rico é muito mais divertido que gay pobre, e aquele casamento, segundo narrativa da minha amiga, parecia a festa promovida por Stan e Anthony em Sex and The City 2. O noivo 2 era da Indonésia, lugar onde se apaixonaram perdidamente. O casamento teve toda a pompa e circunstância, digno de sonho de noiva, só que, no caso, haviam dois noivos, lindos noivos - para desespero total das solteiras encalhadas. As famílias -mesmo a família suíça, aristocrática e conservadora- estavam felizes. Aliás, todo mundo presente estava feliz e represando qualquer eventual preconceito, afinal, aquele casamento sintentizava uma parte do caminho que aquelas duas pessoas trilham em busca da felicidade e era a condição para o próximo passo do casal: filhos. Pois os noivos, que são bem tradicionais, querem constituir uma família tradicional, e farão, cada um deles, uma inseminação artificial com a mesma mãe - a locadora da barriga de aluguel. "Amai e multiplicai-vos", diz a lenda -- e os gays também amam e se multiplicam (sem trocadilho).

Cena 2:
Tokyo, uma semana depois. Minha amiga encontrou-se com outro ex-colega bem sucedido de Harvard,  mas desta vez, um industrial japonês. O japa, já sob certo efeito de Veuve Clicquot, desabou a chorar -- sua amada esposa queria o divórcio. Aí ele contou o drama: tentaram engravidar por vários anos, com todos os recursos disponíveis, mas ela não pôde ter filhos. Ele queria adotar, mas ela não admite a hipótese de adoção. (Parêntesis: Cá entre nós, se eu a conhecesse, perderia a amiga mas jamais a piada: "- deixa de ser boba mulher, japinha é tudo igualzinho!") Humor negro de lado (será que ainda dá pra dizer humor "negro" ou tem que ser "afro-descendente"?!), o coitado quer muito um herdeiro, mas ela, embora o ame, quer deixá-lo livre para realizar o sonho da paternidade com quem possa levar o projeto a bom termo. Então, ela quer o divórcio. Mas ele quer a esposa! Não quer outra pessoa, só quer filhos, só que a esposa não quer filhos de outra pessoa. Que coisa...

Cena 3:
Minha amiga me contando tudo isso no sofá da minha casa. Concluímos que o interessante é o seguinte: não importa o contexto, o lugar, o ano, o século, as pessoas, o grau de escolaridade. Desde que o mundo é mundo, as pessoas querem mesmo é isso: amar e procriar. Não importa o sexo, nacionalidade, idade, profissão ou condição financeira: as pessoas querem amar, ser amadas, e a maior parte quer também ter filhos, que são a ampliação do amor. Não adianta ter "tudo" e não ter amor ou filhos (isto é, quando se os deseja muito), seria como ter nada - esta é a mensagem subliminar. Como cantava o grande Renato Russo, recitando a Primeira Epístola aos Coríntios, "ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, sem amor, eu nada seria..."

Cena 4:
Minha amiga deu a volta ao mundo em 10 dias, viu de tudo (tudo mesmo), e voltou para casa. Olhou para as filhas, aquelas bênçãos divinas, e deu-se conta do quanto era feliz. Para ela, terminava ali a busca da felicidade.

Moral da história para as mães que vivem reclamando: sejam felizes e parem de reclamar!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Comer, Rezar, Amar = Fugir!

Definitivamente, eu não gosto de unanimidade. O livro Comer, Rezar, Amar, de Liz Gilbert, vendeu milhões e milhões de cópias mundo afora e é um daqueles livros sobre o qual eu simplesmente diria: não li e não gostei. Ver o filme, em que a Julia Roberts interpreta o papel da autora por duas horas, já tomou o tempo suficiente que eu dispensaria com Comer, Rezar, Amar. O filme é bom. Nada mais que isso. Mas o que mais me ocupou a mente foi indagar o que faz de Liz Gilbert a heroína de sua própria história e o que atraiu tantos milhões de mulheres a dedicarem seu tempo para conhecê-la.

Liz deixou um casamento sem filhos, porque já não amava mais o ex-marido. O que tem demais nisso?! Que tragédia é essa que tem que ser superada com um ano de viagens que incluíram restaurantes, meditação e o encontro de um novo amor? Será que eu perdi alguma coisa?!

Heroína não é a Liz, que foge mundo afora do seu minúsculo problema. Eu penso que é um problema minúsculo lidar com a culpa por ser honesto e deixar alguém a quem não se ama mais, sem ter filhos ou cobrança familiar pedindo por explicações. Qualquer problema que nos permita virar a página e não mais retroceder é minúsculo. Liz, portanto, não é uma heroína. A não ser por transformar seu problema minúsculo em algo gigantesco do que ela tem que fugir. Assim: comer, rezar e amar para fugir dos problemas -- eu vejo gente fazendo isso todo santo dia sem sair de casa.

Heroína é quem faz de tudo para recuperar o amor perdido, quem faz de tudo para manter um casamento feliz porque tem filhos e valoriza a família, ou quem enfrenta e pede um divórcio e fica com os filhos e as culpas para administrar -- pelo resto da vida, sem poder virar a página... Pois o que a história de Liz confirma é a prova de sua humanidade, e não de seu heroísmo. Vejam só:

Primeira prova: Liz come para preencher os seus vazios. Que coisa mais primitiva! Perguntem às mulheres -- as normais, modelo não vale -- o que elas fazem a partir das 7 da noite...

Segunda prova: Liz precisou de uma temporada na Índia em sua viagem de auto-conhecimento. Mas as horas e dias de meditação pouco ajudaram essa heroína. Ela só se deu por resolvida, mesmo, depois de utilizar aquele artifício que todo pobre mortal utiliza para enfrentar os seus problemas: se consolar com a desgraça alheia. Sim, porque só depois de ouvir a triste história do seu companheiro de retiro espiritual (esta uma tragédia mesmo: alcoólatra que perde a família e tudo mais por causa do vício) é que ela se deu por curada dos males do espírito. Agora: quem precisa ir pra Índia pra isso?! É só telefonar pro vizinho, pois todo mundo sempre tem do que se queixar!!!

Terceira prova: o final -- ah, o final! Liz encontra um  novo amor. Com todo o respeito, não existe cliché maior do que encontrar um novo amor para curar o amor perdido... Como eu disse, Liz passa longe de ser heroína, o que não significa não atribuir qualquer valor a sua humanidade.

Para mim, o que mais tem apelo em Comer, Rezar, Amar é o reencontro de Liz com sua liberdade. Isso sim, me causou inveja, e me fez desejar ser uma Liz Gilbert por duas horas. Ninguém precisa de um ano de viagens pelo mundo afora para superar qualquer problema, mas é bom simplesmente PODER fazer isso. Poder escolher por sair mundo afora, sozinha, sem hora pra nada, sem satisfação para dar a ninguém, sem compromisso marcado... Chegar em um lugar novo, gostar, e simplesmente decidir ficar mais alguns dias ou meses. Isso sim tem apelo para mulheres cheias de responsabilidades, filhos, pais, casa e trabalho, para dizer o mínimo. Eu tenho saudade do tempo em que eu saía de casa de manhã cedo sem ter hora para voltar, sem pensar no compromisso em voltar pra casa...

Eu não trocaria a minha vida por toda essa liberdade, mas só de imaginá-la eu percebo o apelo da questão. Ainda assim, Liz Gilbert não representa uma heroína. Se ela não tivesse escrito essa história cheia de apelo ao imaginário feminino e vendido milhões de exemplares, ela teria simplesmente voltado pra casa de namorado novo e teria que ter reconstruído tudo o que deixou para trás do zero, ir atrás de novo emprego, nova casa, tudo de novo. Seria a anti-heroína, vivendo a vida como ela é.  Quando muito, Liz Gilbert está mais para um sonho, e, mesmo assim, um daqueles que a gente só realizaria noutra vida...

domingo, 21 de novembro de 2010

A Geladeira dos Meus Sonhos - Parte 2

Quem leu meus posts iniciais já sabe do conto da geladeira... Era uma geladeira linda e modernosa, que tinha custado os olhos da cara e com um ano uso tinha estragado pela terceira vez. Evidentemente, apesar de linda, não era uma Brastemp - era uma Bosch(ta)...

Mandei a geladeira para o conserto pela terceira vez, embora já descrente que um dia ela funcionaria de verdade, e para todo o sempre, como as geladeiras Brastemp supostamente funcionam. Fui informada de que a peça de reposição da geladeira levaria pelo menos dois meses para chegar. DOIS meses. A Fedex me entrega qualquer coisa que venha de qualquer lugar do mundo em três dias, mas a peça da geladeira Bosch(ta) leva dois meses!

Possuída por um ataque de fúria, pedi ao SAC da Bosch que me informasse onde fica a lixeira da fábrica, pois estava decidida a mandar aquele eletrodoméstico para o seu devido lugar. Argumentei que (e agora sei que há vários precedentes judiciais em meu suporte), por se tratarem de produtos não perecíveis e nem biodegradáveis (pelo contrário: são bio-degradantes) o fabricante deve ser integralmente responsável pelo destino do lixo que produz, e isso inclui a geladeira que tinha ido parar na minha cozinha. Estava, francamente, a fim de avacalhar - e, de quebra, defender o meio ambiente. Na minha fúria delirante, imaginava um guincho do Darcy Pacheco soltando aquela geladeira das alturas na calçada da Bosch, ela se espatifando no chão e o Fantástico registrando tudinho...

Porém, nada disso aconteceu. Foi apenas um sonho. Pois, depois de três meses na assistência técnica e alguns emails desaforados, a Bosch me mandou uma geladeira nova. Pois é, me desarmou: fez simplesmente o que tinha de ser feito - suas origens germânicas falaram mais alto. Então, lá está ela novamente, reluzindo na minha cozinha e funcionando - sabe-se lá até quando...

Só que eu não retiro nada do que eu disse. Uma geladeira nova não vai me calar: eu nunca mais compro Bosch, nunca! Um dos sites que eu utilizei para reclamar (www.reclameaqui.com.br) tem várias reclamações contra eletrodomésticos da Bosch, sobretudo geladeiras. Aliás, nunca mais compro nada de valor considerável sem dar uma olhada neste site, que reúne feedbacks sobre os mais variados produtos e serviços. Segundo o reclameaqui, a Bosch é uma empresa 5 estrelas porque sempre dá retorno aos reclamantes, aliás, é uma das empresas líder em dar retornos...

Cá entre nós: - Não seria melhor se a empresa investisse toda essa energia para retornos na qualidade dos produtos ou na agilidade do pós venda? Assim, seria líder em qualidade e em satisfação do consumidor, e não líder em dar uma satisfação aos consumidores insatisfeitos - ou aos furiosos, como eu.

domingo, 7 de novembro de 2010

Paul McCartney em Porto Alegre. E Daí?!

Não. Não mesmo. Eu não vou no show do Paul McCartney. Acho que umas 30 pessoas me perguntaram se eu iria e ficaram desapontadas quando eu disse que não, com a maior cara de desprezo. Eu tenho cara de quem gosta do Paul McCartney? É obrigatório gostar do Paul McCartney só porque ele vem a Porto Alegre? Parece que sim...

Paul McCartney pode ter influenciado a geração da minha mãe. Ela deve ter tido momentos especiais embalados pelo som dos Beatles ou do Paul. Mas da minha infância e juventude, ele não participou minimamente. Eu era uma adolescente comum, sem qualquer sofisticação. Jogava vôlei no União e minha vida se resumia a isso e ao colégio. E claro, sempre que aconteciam, aos “Atlântida Rock Sul Concerts” - que equivaliam ao que hoje é o Planeta Atlântida.

Vai ver o Paul McCartney fazia a cabeça de adolescentes cultos e viajados. Não era o meu caso. Paul não estava em nenhum dos momentos memoráveis do meu passado. Quando penso nesses momentos, estavam lá a minha deusa Madonna, obviamente o U2, o Legião Urbana –muito Legião—, os Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós e até Os Replicantes. Na festa em que eu dei meu primeiro beijo, só lembro de ter tocado Surfista Calhorda, e eu adorava essa música – como disse, eu não era uma adolescente minimamente sofisticada. Depois, o The Cure, o INXS, o U2 de novo e sempre, The Smiths, Talking Heads...

Nunca, nunquinha sintonizei o rádio para ouvir o Paul McCartney e tampouco os Beatles. Eles tocavam as músicas dos “velhos”. Então, tenho dificuldade de entender toda essa entourage que os porto-alegrenses da minha geração estão compondo por conta da vinda do show McCartney...

...A não ser pelo aspecto provinciano desta cidade. Ir no show do Paul McCartney é a "onda" do momento. Na coluna do Roger Lerina (ZH), personalidades vinham dando seus depoimentos sobre o significado do Paul em suas vidas desde o mês passado. Uma delas disse que Porto Alegre finalmente não é mais uma província porque o Paul McCartney dignou-se em vir até aqui. Quer coisa mais provinciana do que esse comentário?! Depois me digam se Porto Alegre não é provinciana (pode ser a província mais querida e amada do mundo, mas é uma província, e ser provinciano não é necessariamente ruim): no principal jornal da cidade, se faz contagem regressiva para o dia D há semanas. Divulgaram todos os quitutes que serão servidos no camarote VIP, o lugarzinho mágico que vai transformar em celebridade todo mundo que pagar para estar lá. A capa da ZH de sexta-feira tinha uma foto de quase meia página, adivinhem de quem?! Não, não era do Paul McCartney, e sim dos primeiros abobados que foram fazer acampamento na fila para o show, que só acontece hoje, domingo. Puxa vida, se isso é notícia digna de capa de jornal, eu não tenho dúvida: estamos bem no meio da província! As únicas coisas nesta cidade que me fazem duvidar de nossa índole provinciana são o Museu do Iberê Camargo e o Brique da Redenção...

Eu compreendo quem sente pelo Paul o que eu sinto pela Madonna ou pelo U2, e espero que eles sintam a mesma adrenalina que eu senti no show da Madonna e aproveitem a magia que é milhares de pessoas entoando, juntos, a mesma canção. Mas faço questão que compreendam meu desprezo por ele, que é um estranho para mim, independentemente de toda a sua notoriedade. Eu simplesmente não vou no show do Paul McCartney, nem sendo no meu amado Gigante da Beira-Rio.

Este é o blog politicamente incorreto e, para quem acha que eu peguei pesado, um consolo. O castigo vem à galope: na semana que vem, terei que levar meus filhos ao show dos Jonas Brothers, no Gigantinho...

É... Aqui se fala, aqui se paga!

domingo, 31 de outubro de 2010

"In Dubio Pro Lege"

Ainda sobre a Lei da Ficha Limpa, um breve esclarecimento. Permanece o empate de 5x5 no Supremo, mas, como todos sabem, após um julgamento eletrizante, a lei foi considerada válida e aplicada, para essas eleições e também retroativamente, aos casos ocorridos no passado.

Apesar de todas as atrocidades cometidas contra a Constituição, 5 Ministros votaram a favor da lei com seus argumentos apelativos e populistas (acho que lembro de cabeça: Carmem Lúcia, Joaquim, Carlos Britto, Lewandowski e Ellen - Ellen inovou ao divergir do Gilmar, logo agora?!). Mas não foram eles que venceram. A lei só foi considerada válida porque a Constituição exige a maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade, que, no caso, seria de 6 votos. Contra a lei, tínhamos somente 5 votos (Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello, Gilmar e Toffoli). Logo, pela Constituição, faltaria 1 voto.

Meu consolo é que estes últimos 5 Ministros não fizeram como aqueles outros 5... Não impuseram sua vontade com argumentos meramente políticos e nem atropelaram a Constituição. Deram-se por vencidos porque a Constituição pedia pelo menos 6 votos,  então, in dubio pro lege.

Ainda resta uma esperança... Ou cinco. Para estes, simplesmente, 6 é 6. Para os outros, simplesmente, não existe o artigo 16.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

E o Salário...

Como está difícil ser professor de Direito Constitucional nesses dias de relativismo... O Supremo Tribunal  Federal está reduzindo a pó uma das poucas coisas em que eu ainda acreditava, que era o postulado da supremacia da Constituição. Era, porque a Constituição foi pra baixo do tapete, junto com tudo mais que importa neste país.


O placar estava em 5x5 quando foi suspenso o processo que declararia a inconstitucionalidade da Lei Complementar 135, de 04/6/2010, também conhecida como Lei da Ficha Limpa. Eu devo estar meio burrinha pois, de jeito nenhum, eu consegui entender como os 5 Ministros que defendem a constitucionalidade da lei, conseguiram reconhecer a validade da sua incidência nesta eleição, quando o art. 16 da Constituição diz, claríssima e literalmente: "lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência" (sublinhei). Para o bom entendedor, basta dizer que só para eleições a partir de junho de  2011 é que a lei poderia ser aplicada. E ponto.


A interpretação que se deu quanto à possibilidade de aplicação retroativa desta lei (a casos ocorridos no passado) já era, no mínimo, duvidosa, em face de tudo o que se entende por segurança jurídica. Mas no que diz respeito com seu primeiro ano de vigência, seria certo dizer, a partir da leitura do art. 16: ela não incide de jeito nenhum agora! Há, ainda, outros pontos de atrito com a Constituição, especialmente a questão da presunção de inocência, que, segundo ela, só é desfeita por decisão transitada em julgado; contudo, segundo a lei, isso já não é necessário, pois basta decisão de órgão colegiado, ainda que sem trânsito em julgado... Sequer seria necessário aprofundar tudo isso, pois o art. 16 já nos revela, sozinho, o absurdo do julgamento: transformar o dito em não-dito. Ou ignorar solenemente as palavras escritas, em bom português, na Lei Maior.


No raciocínio desses 5 Ministros, nada disso importa. A Constituição não importa. Eles jogaram para a torcida, alegando que o que importa é restituir a moralidade ao Brasil em caráter urgente, ainda que às custas da Constituição e de seus direitos fundamentais. E a imoralidade em atropelar a Constituição? Essa não conta?! Isso, do meu ponto de observação, suja a ficha dos Ministros do STF, aqueles que, segundo a Constituição, deveriam ser os seus guardiões. 


Enfim, agora fica difícil explicar aos alunos o sentido do postulado da supremacia da Constituição. Tudo culpa desses 5 Ministros do Supremo, que devem, eles próprios, ter faltado à aula dos postulados constitucionais. Pensando neles e nesta trapalhada com a Lei da Ficha Limpa, acabo lembrando a frase que se ouvia na velha escolinha do Professor Raymundo: "- E o salário, óóó..."

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Quem Foi o Juiz?

Taí uma pergunta que não quer calar desde que vi o caso da menina Joana Marins no Fantástico, no domingo passado. Quem foi o desgraçado que tirou a menina da casa da mãe para entregá-la a um pai com histórico de violência, inclusive contra a própria criança? Como um magistrado chega a uma decisão dessas, negando à mãe o direito de visita à filha por 90 dias?  A imprensa relata a existência de inúmeros boletins de ocorrência relatando constantes brigas entre o pai de Jonna e sua atual esposa, inclusive provocadas pela intolerância desta à presença da menina. Falam de uma cadeira que a madastra havia quebrado nas costas do pai porque ele daria uma festa de aniversário para a filha - coisa de gente super equilibrada...

Se eu fosse a mãe, tentaria responsabilizar o Judiciário. Não porque alguma recompensa financeira possa aplacar a sua dor. Nenhum dinheiro no mundo diminui a dor de uma mãe que perdeu um filho, e isso eu posso dizer pois quase perdi o meu e sei que não haveria consolo para essa perda. Ainda mais uma perda nessas circunstâncias, em que a tragédia era anunciada. Eu responsabilizaria o Judiciário para evitar que futuras tragédias como essa destruíssem outras famílias e, sobretudo, porque juiz tem que ser responsável pelos seus atos. Simples assim.

Se eu, como advogada, causo dano a um cliente por negligência, imperícia ou por erro grosseiro, ou um médico comete erro médico comprometendo seu paciente, ninguém hesitaria em nos responsabilizar pelos danos, pois estariam presentes todos os elementos necessários ao dever de indenizar: uma ação ou omissão, um dano, e o nexo causal que relaciona a ação ou omissão ao estrago feito. Porque não ocorre o mesmo com o trabalho do magistrado? Não deve ele ter o mesmo dever de zelo e cuidado no desempenho do seu ofício?

Buscando resposta para a minha pergunta, soube que o juiz, na verdade, é uma juíza, a Dra. Claudia Nascimento Vieira, do Rio de Janeiro. A Dra. Cláudia, é humana como todos nós, e comete erros, como todos nós. Pode ser que a Dra. Cláudia tenha filhos na escola, ou aula de tênis ou de pilates, ou tenha que levar os filhos na aula de inglês, ir ao supermercado, ao cinema, na manicure, ou seja, pode ser que ela tenha que fazer as coisas que toda mulher tem que fazer... Então, aquele processo estava à sua mesa, aguardando uma decisão, e tinha que ser lido inteirinho, e com todo o cuidado por tratar de interesse de menor. E olhem o que diz o art. 227 da Constituição: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão"  (grifei).

Chega a me doer digitar esse dispositivo pensando na Joanna. A Constituição utiliza a expressão "prioridade" uma única vez em todo o seu texto, justo quando trata da proteção ao menor. Por triste contradição, a Dra. Cláudia, que É o Estado, terminou submetendo a menina a tudo isso: negligência, violência, crueldade, opressão, tudo culminando na sua morte. Que horror. Será que Sua Excelência dorme de noite?

Pois é, o processo devia estar lá, junto com outros mil. Mas Sua Excelência  também tinha que pegar os filhos na escola, ir na aula de pilates, no supermercado, ou qualquer dessas outras coisas que todo mundo tem que fazer. Isso é a realidade do Judiciário: pessoas como nós. Só que um magistrado, se não consegue fazer tudo o que tem que fazer e ainda decidir a vida dos outros decentemente, pelamordeDeus: NÃO SEJA MAGISTRADO! Escolha um atividade que não repercuta, de forma imperativa, na vida dos seus semelhantes.

É chavão dizer que todos têm o direito de errar, mas quando se diz isso, sempre pensamos em erros cujas consequências recaiam sobre nós mesmos, sujeitos ativos do erro. Errar com a vida dos outros, impor as consequências dos nossos erros aos outros, isso é uma desumanidade e, pior, uma tremenda injustiça...

...Algo totalmente incompatível com a função daqueles que, justamente, estão comprometidos em fazer JUSTIÇA.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Lição n. 6: Sou Perita no Volante!

André em casa, recuperado depois de 3 semanas de hospital. As lições (sérias) que eu queria dividir já foram postadas. Agora que volto à rotina e já me sinto mais normal, não posso deixar de comentar uma última lição... Pura sacanagem, mas, como disse, estou me sentindo mais normal: a velha Ana Paula (agora ainda mais velha e irreversivelmente mais experiente) está de volta!

É o seguinte: quem já usou o estacionamento do edifício-garagem do Hospital Moinhos de Vento vai me entender. Daria pra dizer que os caras não economizaram em espaço, mas a verdade é que AQUELE  é que é o espaço que deveria ter uma vaga na garagem. Eu entrava e saía sem manobrar, como um ás no volante -- e parei de achar que tinha engordado, pois saía tão facilmente pela porta...

Inmetro, ABNT, ISO, Smov e quem mais que se ache na prerrogativa de fixar ou fiscalizar  padronizações, professores e estudantes das faculdades de arquitetura e engenharia, todos deveriam visitar o tal estacionamento para aprender como é que se faz. Deveriam premiar os arquitetos e os engenheiros que fizeram aqueles cálculos perfeitos para as lombas de acesso e para as vagas de estacionamento, que nos poupam de ficar alinhando o carro mais pra lá ou mais pra cá, tudo para evitar que eu saia sem amassar a porta do vizinho ou que o vizinho do outro lado entre sem amassar a minha.

Digo tudo isso porque, cada vez que vou no Zaffari da Anita Garibaldi ou que entro na garagem do meu próprio prédio, eu penso que eu deveria ter um furgão ou qualquer outro carro cujas portas abrissem no sentido longitudinal. Ou que deveria fazer mais exercícios para diminuir as minhas medidas. Sim, porque os espaços ali projetados não contemplam um veículo que, como o meu, tenha as portas que abram para fora, num ângulo de pelo menos 45 graus. 30 graus é o máximo que se consegue sem amassar a porta do carro do vizinho, e olha que, mesmo sendo magra, eu tomo um suador para sair do carro nesse parco ângulozinho.  Tudo isso para economizar o quê? 30 centímetros por vaga?

Mas os defeitos não param na largura da vaga da garagem... No prédio comercial do escritório - prédio Triplo A-, a lomba que dá acesso ao segundo andar de estacionamento só tem ângulo para passar carro pequeno, tipo Gol ou Clio. Um sedan médio não sobe e desce ileso. Acho que o projetista do prédio devia ter um Smart -- e também não ser muito smart. Já a lomba de acesso ao segundo andar de garagem do prédio residencial da minha melhor amiga teve que ser demolida e refeita, pois caminhonetes não passavam. Detalhe: 80% dos moradores de lá têm caminhonetes e a garagem do andar térreo não supria os 80% da demanda. Outro non-smart deve ter projetado a tal garagem.

O ponto é: como é que isso ainda acontece?! Faltou estudo para essa gente? É burrice, malícia ou simples economia de 0,3 metro? Ninguém nota durante a construção? Ou na aprovação do projeto? Falta régua e calculadora ou neurônios? Garagem não precisa de "habite-se"? Fala sério!!!

Pelo menos a garagem do HMV resolveu isso para mim: não é que eu não saiba estacionar direito. É que não é qualquer um que sabe fazer garagem...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Lição n. 5: Deuses Existem

Esse post é uma segunda versão do primeiro, que discorria longamente sobre religião, fé e o significado de Deus. Resolvi exercer o direito à auto-censura e não publicá-lo. Primeiro, porque o tema toca em muitas suscetibilidades e, segundo, porque, extremamente ligado à intimidade de cada um, senti-me demasiadamente exposta. Então não vou falar sobre isso, mas sobre a lição que ficou dos dias de UTI, momento em que precisei tanto de Deus.

Deus existe. O que seja Deus para cada um é um outro problema. Mas para mim ele existe e esteve em cada um dos meus amigos, esses que exteriorizaram o melhor de suas energias através das orações e dos pensamentos positivos dirigidos à minha família. Esteve nos médicos e nas enfermeiras, que deram o que havia de melhor em si para a melhora alheia.

Poucos vão acreditar se eu contar a proporção que tomou a corrente de pessoas desejando a melhora do estado de saúde do André, e desejando-me forças para sobreviver àqueles dias difíceis. Mas foi monumental, pois eu senti esta força em toda a intensidade que ela me foi transmitida, e agora, quando reencontro as pessoas na rua, recebo pessoalmente os abraços, os sorrisos e as palavras de carinho que, de modo invisível, eram a mim direcionadas em pensamento.

A lição n. 5 que eu aprendi é a comprovação de algo de que eu, até há pouco, duvidava. O Poder do ser humano, a Força do homem. Sua sensibilidade, disposição, e vocação para a irradiação e concretização do Bem.

Pois saibam todos, vocês têm esse Poder. E eu, simples pessoa que sou, também. E, quando alguém precisar de mim, agora que conheço esse Poder, não hesitarei em utilizá-lo.

(Como diria o André: "promessa de dedinho!")

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Lição n. 4: No More Drugs

É quase consenso que o uso da maconha é a porta de entrada para o uso de drogas mais pesadas, que atraem o usuário à dependência química e condenam o coitado a jamais voltar a ser o que era, ou jamais ser o que poderia um dia ter sido.

Errado. A porta de entrada para o uso de drogas mais pesadas é o remédio. Exagero meu? Depois me digam...

Minha maior preocupação, de todas as preocupações, é como os meus filhos vão enfrentar, na adolescência, a questão das drogas ilícitas. Por isso, a lição n. 4 talvez seja a de maior aplicação prática que eu recebi nos meus dias de UTI pediátrica, e gostaria de dividi-la com mães que compartilhem da mesma preocupação. Para mim, uma lição que muda uma concepção ignorante e estreita que eu tinha sobre certos aspectos da vida e da farmacologia...

A lição começou quando tive que incorporar ao meu vocabulário expressões como "peritonite", "infecção generalizada", "entubar", "coma induzido", "hiperemia", "situação grave"...  Não estava conseguindo controlar a adrenalina. A taquicardia, o frio na barriga, a sensação de mau-pressentimento, como se a desgraça fosse iminente, isso tudo estava me impedindo de pensar positivamente, de acreditar que o meu filho fosse melhorar. Foi aí que tomei um "controlador de ansiedade"... Fiquei orgulhosa de minha imediata melhora, mas logo depois senti-me fraca.

Quem me conhece, sabe que sempre fui fã da indústria farmacêutica e do alívio imediato. Para mim, a invenção que mais ajudou a humanidade não foi a roda: foi, disparado, a anestesia! Que maravilha não sentir dor! Qualquer dor... Não chego a ser hipocondríaca, mas adoro um remédinho. No meu armário do banheiro, além de uma verdadeira fortuna em cremes faciais, tenho remédio pra tudo: dor de cabeça, insônia, tosse, alergia, dor de garganta, cansaço... O pior é que não sou nada diferente da grande maioria das pessoas que eu conheço.

Pois a Doutora Kátia Giugno, minha Deusa (eu sempre tive uma Musa, a Judith Martins-Costa, e agora tenho também uma Deusa, a Kátia Giugno), me alertou para questões que eu nunca ponderei ao discar o Alô-Panvel. A Dra. Kátia me explicou a importância de buscarmos, no nosso interior, as forças suficientes para lidarmos com a dor, com a ansiedade e com as frustrações. As pessoas, de um modo geral, têm desistido de desenvolver as suas potencialidades, a sua força, porque é muito mais fácil fazer o uso de uma bengalinha química e com isso camuflar os sentimentos que fazem parte da rotina de todo indivíduo: angústia, tristeza, ansiedade, preocupações, medos, dúvidas, insegurança -- e a lista é interminável. Então, em vez de lidarmos com esses sentimentos, colocamos tudo debaixo do tapete químico.

Quem acha que esse discurso parece discurso de auto-ajuda, espere até o argumento ser concluído. Incorporamos, com muita naturalidade, o remédio -- a droga lícita -- em nossa rotina, e isso acaba sendo, inconscientemente, transmitido aos nossos filhos pequenos, através do exemplo ou diretamente. Senão, vejamos. Através do exemplo: nossos filhos vêem que, se estamos tristes ou indispostos, ou inseguros, tomamos anti-depressivos, se não conseguimos dormir, tomamos remédio pra dormir, se temos dor de cabeça, tomamos um analgésico, se estamos cansados, tomamos vitaminas, cápsulas de guaraná ou energéticos, se vamos viajar de avião, tomamos calmantes anti-medo-de-avião... Já, diretamente, para as crianças: qualquer dorzinha, damos um tylenolzinho... Qualquer arranhãozinho, colamos um band-aid... Qualquer tossezinha, damos xarope, anti-alérgico... Narizinho correu, gotinhas... Tudo sem um telefonema ao pediatra. Atire a primeira pedra quem nunca cometeu algum desses pecadilhos com a melhor das intenções (e não me interpretem mal, em caso de doença séria, tem que levar no pediatra e fazer tudo o que ele disser e dar tudo o que ele mandar).

Num plano mais grave, tem ainda aqueles pais (e aqui, definitivamente, não me incluo) que têm filhos arteiros ou simplesmente mal educados (este atributo diz respeito aos pais, lógico), e, desejando alívio imediato, arrumam-lhes um psiquiatra-qualquer que logo os diagnostique como hiperativos ou portadores de SDA (Síndrome do Déficit de Atenção). Se pensarem bem, ninguém admite que o filho é mal educado, apenas lamenta que a criança tenha SDA ou seja hiperativo. Claro que um diagnóstico desses vem acompanhado do respectivo remédinho, e nunca antes as lancheiras foram tão equipadas com Ritalina e similares. É a lobotomia via oral. A bengalinha química milagrosa que vai deixar o filhinho bem calminho e fácil de controlar, exigindo menos dos sempre atarefados pais. E, convenhamos, o "sistema" torna tudo muito fácil, pois nada mais interessante para um psiquiatra-não-muito-sério  do que uma criança "portadora" de qualquer dessas desordens: sendo males do espírito e não do corpo, eles não aparecem em raio-X e tanto podem ser como não ser; sem falar que, por óbvio, crianças são mercado de futuros, algo como renda-fixa de longo prazo para o profissional liberal (e neoliberal)... Não quero simplificar com a generalização e sei que existem casos sérios de SDA e hiperatividade, que devem ser tratados por profissionais igualmente sérios. Mas eu, como mãe, pensaria duas vezes, ou consultaria mais de um médico. Eu mesma era uma criança bem arteira que hoje, provavelmente, seria classificada como hiperativa. Mas, naquele tempo, as velhas palmadinhas (que o Lula proibiu para resolver os males da educação infantil), me enquadraram satisfatoriamente - e sem efeitos colaterais.*

O problema em trocarmos as nossas defesas pela química não é tão grave, pois somos adultos e temos discernimento para optar entre o certo e o errado e arcar com as consequências da segunda opção. Mas com as crianças, segundo me explicou a Dra. Kátia (e faz todo o sentido), isso pode levá-los a acreditar que há sempre um remédinho para cada frustração ou dificuldade. Assim, deixam de desenvolver aquela força interior, a auto-afirmação e segurança necessárias para o enfrentamento dessas situações.

E, quando chega a adolescência, aquele momento em que os jovens e seus bagunçados hormônios ficam ainda mais vulneráveis ao peso dos medos e das frustrações, isso pode ser a porta de entrada para o uso dos "remédios" ilícitos. Eles não verão problema algum em recorrer às drogas para o alívio imediato das suas frustrações, pois isso foi o que sempre fizeram (e foram incentivados a fazer, diretamente ou através do nosso exemplo). Só que agora, eles terão à sua disposição o álcool e as drogas ilícitas, que rolam nas festas, nas casas de amigos, e baladas que eles passam a frequentar. O que os ajudará a dizer NÃO, que é o que todos nós almejamos, é a auto-afirmação. É isso o que estamos negando aos nossos filhos cada vez que lhes alcançamos, por quase nada, o remédinho fácil, de alívio imediato.

Posso estar exagerando, eu sei. Eu me inflamo facilmente, mas neste caso não vou usar anti-inflamatório. Pelo menos para mim, a conversa, cuja síntese eu aqui descrevo subjetivamente e com certo exagero, foi de uma racionalidade auto-explicativa. Vi lógica em tudo o que ouvi da Dra. Kátia. Ela me deu visão de longo alcance sobre um tema que me incomoda muito, com demonstração cabal de causa e consequência, ação e reação. Ter visão de longo alcance é uma verdadeira bênção: nos ajuda a prevenir em vez de remediar.

Posso estar mesmo exagerando mas, pelo sim, pelo não, lá em casa, no more drugs.

____________________________________________
*O parágrafo sobre a SDA e hiperatividade é produto da minha exclusiva observação, exagero e/ou fantasia, de modo que exonero a Dra. Kátia de qualquer comentário ou responsabilidade que possa suscitar a desconfiança em relação aos psiquiatras - eu mesma tenho um ótimo. Aliás, ressalto que não fiz referência aos psiquiatras em geral, mas ao psiquiatra-qualquer e aos psiquiatras-não-muito-sérios, aqueles que existem apenas para que se possa reconhecer a seriedade dos psiquiatras-sérios, como é o caso do meu.  
Também não quis dizer que os pais de filhos portadores de SDA ou hiperatividade sejam "mal-educantes". E nem que os portadores reais de SDA ou hiperatividade sejam simplesmente mal educados. Nem que SDA ou hiperatividade sejam pseudo-doenças. Nem que a palmadinha seja um bom educativo - eu mesma, independentemente do Lula, nunca utilizei. Minha ignorância não é tão grande na sua infinitude.
...Pensando bem, são 2 da manhã, e este é um blog politicamente incorreto. Logo, interpretem como quiserem, dêem sua opinião contrária, diminuam a minha ignorância!
(Ai ai, estou voltando a ser eu mesma! A questão é: - Será que isso é bom?)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Lição n. 3: Hobbes Estava Errado, MESMO!

Pobre Hobbes... Achava mesmo que o homem é o inimigo do homem e fez disso o pressuposto para sua construção teórica, que defendia o Absolutismo como a única forma viável de Estado. Quem faz ciência sabe: quando se parte de um pressuposto equivocado, não há teoria que resista.

A demonstração definitiva do erro em seu pressuposto veio dos meus familiares e dos meus amigos. Velhos amigos e novos amigos, que a mim se uniram neste momento tão difícil. As minhas queridas amigas e amigos, os meus vizinhos, os amigos dos meus amigos que nem eram meus amigos mas agora são, a minha turma de mâmis do colégio do meu filho, as professoras, as secretárias e a própria diretora da escola dele, meus colegas professores da faculdade e o próprio Reitor, muitos dos meus alunos... Todas essas pessoas materializaram aquela cláusula contratual, muitas vezes celebrada perante Deus, que diz "na alegria e na tristeza, na saúde e na doença...".

O homem, my dear Hobbes, é o amigo do homem.

Eu recebi numerosas manifestações de solidariedade de pessoas próximas e distantes, e agora quero que todas sejam sempre próximas, na esperança de poder um dia retribuir toda a força que me foi transmitida, toda a energia que me foi presenteada, e todas as preces, promessas e orações que fizeram a Deus para que cuidasse do André, dos seus médicos, e de mim. Recebemos cartões, santinhos, medalhinhas, livrinhos, centenas (sério, centenas!) de emails e SMSs... Uma super-amiga querida fez até com que os jogadores do Inter, em plena concentração, assinassem uma camiseta do time com carinhos e autógrafos para o André. Aos seis aninhos, ele chorou de emoção quando viu a camiseta e começamos a decifrar as assinaturas.

Perguntei: -- Meu mimoso, porque estás chorando? Não gostou?!
Ele devolveu outra pergunta: -- Eu tô muito feliz, mãe. Então porque é que eu tô chorando? 
As lágrimas corriam-lhe a face. Expliquei que, quando a gente fica muito feliz, toda aquela felicidade vai crescendo dentro da gente até ficar bem apertadinha, e lá pelas tantas ela transborda da gente, na lágrima que sai pelo olhinho...

Então, aviso aos meus queridos amigos, companheiros na doença e na tristeza, que já usei os lenços para conter a felicidade, pela recuperação do André e por poder partilhar com vocês, agora, a parte boa do nosso contrato: a saúde e a alegria. Vocês iluminaram o meu momento de escuridão, fizeram do mundo um lugar onde, em plena adversidade, eu me senti amada e confortada. Vocês fazem parte de outra lição sobre a qual vou escrever mais adiante -- a de que Deus existe.

Pensando bem, pobre Hobbes mesmo... Não tinha a minha família e nem os amigos que eu tenho.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Lição n. 2: Hobbes Estava Errado...

Thomas Hobbes dizia que o homem é o inimigo do homem, em Leviathan. Em alguns estudos sobre esta obra, que trata da origem contratualista (e necessidade) do Estado Absolutista, lê-se a expressão "o homem é o lobo do homem". Para Hobbes, os homens vivem em guerra pelos escassos bens materiais, e a finalidade do Estado é apenas proteger os homens -- protegê-los uns dos outros. Não vou alongar esta história porque, embora admire o racionalismo de Hobbes, dos contratualistas, é ele quem eu menos gosto -- aliás, não gosto. O fato é que a humanidade que eu acabo de conhecer foi melhor definida por Rousseau, para quem o homem é um ser bom por natureza. Pelo menos este aspecto da tese de Rousseau, que antagoniza a de Hobbes, eu pude confirmar através de três importantes demonstrações, duas das quais vou descrever aqui.

Primeiro, a abnegação total da equipe médica que salvou a vida do meu filho. São profissionais reconhecidos no meio médico e acadêmico: o pediatra, Dr. Enio Rotta; o cirurgião-pediatra, Dr. José Carlos Fraga; a pediatra-intensivista, Dra. Kátia Giugno. Eles têm pais, filhos, marido/esposas, consultório, vida acadêmica, alunos, artigos para publicar, pesquisas para acompanhar, e tudo aquilo que exige a dedicação de todo mundo. Poderiam, portanto, como todo mundo, estar preocupados com o próprio umbigo, permanecendo naquele confortável perímetro que nos contorna a cintura. Os três são pessoas bem sucedidas que poderiam estar usufruindo do sucesso profissional do modo como as pessoas geralmente gostam de usufruir do sucesso profissional, isto é, premiando-se com aquilo que desejam, viajando pelo mundo, jantando em bons restaurantes, passeando, acordando tarde, descansando nos finais de semana, indo ao cinema, lendo bons livros, ou simplesmente passando as noites em casa junto das suas pessoas amadas, que é como eu gosto de desfrutar dos meus momentos premiais...

Mas não. Eles passam os seus momentos premiais cuidando de crianças no limite, como o meu filho. Passam aqui a todo o momento, cuidam do André com muito carinho, rezam junto pela sua melhora, querem a melhora dele tanto quanto nós que somos pais. Eles têm as suas famílias, entretanto estão aqui, salvando a minha família. Na sexta à noite, 21:30, aqui ainda estava a Dra. Kátia, em pleno dia de comemorar o seu aniversário de casamento, cuidando do André e de nós, pais, falando sobre questões existenciais numa conversa que certamente vai influenciar o nosso futuro e iluminar a nossa vida. A abnegação dessas pessoas, a sua generosidade com o próximo (em detrimento do que é ou poderia ser seu), me tocam muito, e levam por água abaixo aquele aspecto da tese de Hobbes, de que o homem é o inimigo do homem.

Segundo, a dedicação total das enfermeiras e dos médicos plantonistas da UTI pediátrica -- quanto carinho com os pequenos pacientes! Eles também têm vida própria e, no entanto, passam a noite aqui cuidando, zelando, se doando, para pessoas que estão apenas de passagem nas suas vidas. Executam procedimentos sentindo junto a dor do paciente. No Natal, no Ano-Novo... Vibram a cada melhora como se o paciente fosse um amigo próximo ou familiar. Passam as noites acordadas com a mesma disposição de quem desperta de um sono maravilhoso e reparador em uma manhã ensolarada. E eu que não troco(cava) uma boa noite de sono por nada... Cuidam tanto dos pacientes, quanto dos pais, sempre aflitos.

Enfim, em plena adversidade, eu, tão desiludida que andava com a vida e com o jeito como o mundo funciona, descobri que esse mesmo mundo pelo qual eu até então lamentava, é um lugar bom de estar. E, finalmente, posso acreditar que Hobbes estava errado.






domingo, 5 de setembro de 2010

Lição n. 1: O que importa na vida não está à venda...

Minha primeira lição é o óbvio. As coisas que realmente importam na vida não têm preço. Todo mundo sabe disso. Será que sabe mesmo?

Pertencemos a uma massa, muitas vezes acrítica, que, sendo objeto da chamada sociedade de consumo, pensa que todos os problemas podem ser resolvidos no shopping. Não se façam de desentendidos, é assim mesmo! E não pensem que a massa são sempre "os outros", somos todos protagonistas deste sistema. Estamos programados para consumir, e assim consumimos nossas vidas (para uma percepção macrossistêmica da sociedade de consumo e outras grandes lições para todos nós, sabichões, vale a pena conferir: http://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k).

A verdade é que todos nós, em maior ou menor proporção, pensamos muito mais naquilo que não temos do que naquilo que já temos. E a felicidade passa a estar sempre no próximo objeto de desejo, e o próximo, e depois o próximo, de modo que vamos nos tornando insaciáveis e a felicidade cada vez mais volátil: satisfazemos um desejo mas a felicidade dura pouco porque já estamos pensando no próximo. Tudo contribui para que a gente consuma: a TV, a propaganda, o telefone. As vezes estamos em casa, sossegados, e liga uma vendedora de uma loja qualquer avisando que tem novidades, que chegou isso ou aquilo... Uma invasão total.

Tem ainda o pior, a auto-justificação que nos redime de todos os pecados: porque colhemos os frutos do nosso duro trabalho, achamos que simplesmente "merecemos" consumir. Coisas são um luxo que nos presenteamos para sabermos o quanto nós somos bons, bem sucedidos, ou seja, estamos sempre arrumando desculpas para justificar o quanto nos tornamos materialistas e só pensamos nas coisas. E também porque somos bons, chegamos lá, e blá-blá-blá, queremos satisfazer todos os desejos dos nossos filhos, para que não passem as privações por que passamos (e não estou falando de fome, sede, sono, abrigo, e sim daquela boneca ou do tênis Nike que todos tinham na escola menos eu. Não queremos que eles sofram. Meu Deus, sofrer por tênis ou boneca, que horror!). Pois é, gente, chega de me engana que eu gosto, nós somos assim. Façamos a mea culpa. A verdade nua e crua sempre choca, porém, o primeiro passo para crescer é realmente enxergar a nossa condição humana e falha - ou a vida como ela é.

Pois refleti muito sobre tudo isso, quando pensei que poderia ficar privada do sorriso do meu filho no futuro. Quando pensei na minha vida sem ele e sem o lindo sorriso dele, sempre oferecendo a bochechinha para um beijinho da mamãe e sempre andando em marcha-ré para se aconchegar no meu colinho. Basta que o André me veja sentada em qualquer lugar que lá vem ele, em marcha-"dé", para ganhar um colinho. Só de pensar numa vida sem isso eu senti uma dor enorme, física inclusive. Meu peito doía, a barriga doía, minhas pernas doíam, a cabeça doía.

Lamentei ter que ter sentido tanta dor para compreender que a felicidade está em apenas ver o filho da gente alegre e saltitante e para ver que eu era feliz todos os dias, mesmo naqueles em que estava triste. E com isso, uma grande lição: as coisas que realmente importam não estão à venda e nem cabem em uma sacola. A lição que todo mundo sabe, mas pouca gente entende.


_______________________________________________________
P.S. Se servir de consolo, não pensem que nossa geração é que piorou a humanidade. Vejam o que escreveu Thomas Hobbes (1588-1679), que viveu no século XVI: 
E ao homem é impossível viver quando seus desejos chegam ao fim, tal como quando seus sentidos e imaginação ficam paralisados. A felicidade é um contínuo progresso do desejo, de um objeto para outro, não sendo a obtenção do primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o segundo... Assinalo assim, em primeiro lugar, como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte.

LIÇÕES QUE APRENDI COM MEU FILHO

Meu filho, meu amado filhinho, com só 6 aninhos de idade, está na UTI. Desde ontem (4/9) está fora de perigo, mas aqui estou há 7 intermináveis dias e noites rezando a todos os santos, pedindo forças a todos os amigos, pedindo a Deus pelos médicos, e pela sua recuperação.
Nenhuma situação em minha vida foi mais difícil do que esta. Meu filho não é só um filho. É "o" filho. Criança feliz e cativante, ele é cheio de conversas e opiniões, faceiro, querido, carinhoso, um artista. É um garoto saltitante, que caminha dando pulinhos quando está feliz. E ele está quase sempre feliz.
A ciência ainda busca o sentido da vida, mas o da minha vida eu compreendo a cada momento que olho para os meus filhos. Pois desses 7 dias, por 4 eu vi de perto o risco de perder o sentido da minha existência, e com esta experiência eu pensei muito, e estou tendo a chance de passar o meu futuro a limpo.
Os próximos posts são algumas lições que eu aprendi.