sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Lição n. 6: Sou Perita no Volante!

André em casa, recuperado depois de 3 semanas de hospital. As lições (sérias) que eu queria dividir já foram postadas. Agora que volto à rotina e já me sinto mais normal, não posso deixar de comentar uma última lição... Pura sacanagem, mas, como disse, estou me sentindo mais normal: a velha Ana Paula (agora ainda mais velha e irreversivelmente mais experiente) está de volta!

É o seguinte: quem já usou o estacionamento do edifício-garagem do Hospital Moinhos de Vento vai me entender. Daria pra dizer que os caras não economizaram em espaço, mas a verdade é que AQUELE  é que é o espaço que deveria ter uma vaga na garagem. Eu entrava e saía sem manobrar, como um ás no volante -- e parei de achar que tinha engordado, pois saía tão facilmente pela porta...

Inmetro, ABNT, ISO, Smov e quem mais que se ache na prerrogativa de fixar ou fiscalizar  padronizações, professores e estudantes das faculdades de arquitetura e engenharia, todos deveriam visitar o tal estacionamento para aprender como é que se faz. Deveriam premiar os arquitetos e os engenheiros que fizeram aqueles cálculos perfeitos para as lombas de acesso e para as vagas de estacionamento, que nos poupam de ficar alinhando o carro mais pra lá ou mais pra cá, tudo para evitar que eu saia sem amassar a porta do vizinho ou que o vizinho do outro lado entre sem amassar a minha.

Digo tudo isso porque, cada vez que vou no Zaffari da Anita Garibaldi ou que entro na garagem do meu próprio prédio, eu penso que eu deveria ter um furgão ou qualquer outro carro cujas portas abrissem no sentido longitudinal. Ou que deveria fazer mais exercícios para diminuir as minhas medidas. Sim, porque os espaços ali projetados não contemplam um veículo que, como o meu, tenha as portas que abram para fora, num ângulo de pelo menos 45 graus. 30 graus é o máximo que se consegue sem amassar a porta do carro do vizinho, e olha que, mesmo sendo magra, eu tomo um suador para sair do carro nesse parco ângulozinho.  Tudo isso para economizar o quê? 30 centímetros por vaga?

Mas os defeitos não param na largura da vaga da garagem... No prédio comercial do escritório - prédio Triplo A-, a lomba que dá acesso ao segundo andar de estacionamento só tem ângulo para passar carro pequeno, tipo Gol ou Clio. Um sedan médio não sobe e desce ileso. Acho que o projetista do prédio devia ter um Smart -- e também não ser muito smart. Já a lomba de acesso ao segundo andar de garagem do prédio residencial da minha melhor amiga teve que ser demolida e refeita, pois caminhonetes não passavam. Detalhe: 80% dos moradores de lá têm caminhonetes e a garagem do andar térreo não supria os 80% da demanda. Outro non-smart deve ter projetado a tal garagem.

O ponto é: como é que isso ainda acontece?! Faltou estudo para essa gente? É burrice, malícia ou simples economia de 0,3 metro? Ninguém nota durante a construção? Ou na aprovação do projeto? Falta régua e calculadora ou neurônios? Garagem não precisa de "habite-se"? Fala sério!!!

Pelo menos a garagem do HMV resolveu isso para mim: não é que eu não saiba estacionar direito. É que não é qualquer um que sabe fazer garagem...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Lição n. 5: Deuses Existem

Esse post é uma segunda versão do primeiro, que discorria longamente sobre religião, fé e o significado de Deus. Resolvi exercer o direito à auto-censura e não publicá-lo. Primeiro, porque o tema toca em muitas suscetibilidades e, segundo, porque, extremamente ligado à intimidade de cada um, senti-me demasiadamente exposta. Então não vou falar sobre isso, mas sobre a lição que ficou dos dias de UTI, momento em que precisei tanto de Deus.

Deus existe. O que seja Deus para cada um é um outro problema. Mas para mim ele existe e esteve em cada um dos meus amigos, esses que exteriorizaram o melhor de suas energias através das orações e dos pensamentos positivos dirigidos à minha família. Esteve nos médicos e nas enfermeiras, que deram o que havia de melhor em si para a melhora alheia.

Poucos vão acreditar se eu contar a proporção que tomou a corrente de pessoas desejando a melhora do estado de saúde do André, e desejando-me forças para sobreviver àqueles dias difíceis. Mas foi monumental, pois eu senti esta força em toda a intensidade que ela me foi transmitida, e agora, quando reencontro as pessoas na rua, recebo pessoalmente os abraços, os sorrisos e as palavras de carinho que, de modo invisível, eram a mim direcionadas em pensamento.

A lição n. 5 que eu aprendi é a comprovação de algo de que eu, até há pouco, duvidava. O Poder do ser humano, a Força do homem. Sua sensibilidade, disposição, e vocação para a irradiação e concretização do Bem.

Pois saibam todos, vocês têm esse Poder. E eu, simples pessoa que sou, também. E, quando alguém precisar de mim, agora que conheço esse Poder, não hesitarei em utilizá-lo.

(Como diria o André: "promessa de dedinho!")

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Lição n. 4: No More Drugs

É quase consenso que o uso da maconha é a porta de entrada para o uso de drogas mais pesadas, que atraem o usuário à dependência química e condenam o coitado a jamais voltar a ser o que era, ou jamais ser o que poderia um dia ter sido.

Errado. A porta de entrada para o uso de drogas mais pesadas é o remédio. Exagero meu? Depois me digam...

Minha maior preocupação, de todas as preocupações, é como os meus filhos vão enfrentar, na adolescência, a questão das drogas ilícitas. Por isso, a lição n. 4 talvez seja a de maior aplicação prática que eu recebi nos meus dias de UTI pediátrica, e gostaria de dividi-la com mães que compartilhem da mesma preocupação. Para mim, uma lição que muda uma concepção ignorante e estreita que eu tinha sobre certos aspectos da vida e da farmacologia...

A lição começou quando tive que incorporar ao meu vocabulário expressões como "peritonite", "infecção generalizada", "entubar", "coma induzido", "hiperemia", "situação grave"...  Não estava conseguindo controlar a adrenalina. A taquicardia, o frio na barriga, a sensação de mau-pressentimento, como se a desgraça fosse iminente, isso tudo estava me impedindo de pensar positivamente, de acreditar que o meu filho fosse melhorar. Foi aí que tomei um "controlador de ansiedade"... Fiquei orgulhosa de minha imediata melhora, mas logo depois senti-me fraca.

Quem me conhece, sabe que sempre fui fã da indústria farmacêutica e do alívio imediato. Para mim, a invenção que mais ajudou a humanidade não foi a roda: foi, disparado, a anestesia! Que maravilha não sentir dor! Qualquer dor... Não chego a ser hipocondríaca, mas adoro um remédinho. No meu armário do banheiro, além de uma verdadeira fortuna em cremes faciais, tenho remédio pra tudo: dor de cabeça, insônia, tosse, alergia, dor de garganta, cansaço... O pior é que não sou nada diferente da grande maioria das pessoas que eu conheço.

Pois a Doutora Kátia Giugno, minha Deusa (eu sempre tive uma Musa, a Judith Martins-Costa, e agora tenho também uma Deusa, a Kátia Giugno), me alertou para questões que eu nunca ponderei ao discar o Alô-Panvel. A Dra. Kátia me explicou a importância de buscarmos, no nosso interior, as forças suficientes para lidarmos com a dor, com a ansiedade e com as frustrações. As pessoas, de um modo geral, têm desistido de desenvolver as suas potencialidades, a sua força, porque é muito mais fácil fazer o uso de uma bengalinha química e com isso camuflar os sentimentos que fazem parte da rotina de todo indivíduo: angústia, tristeza, ansiedade, preocupações, medos, dúvidas, insegurança -- e a lista é interminável. Então, em vez de lidarmos com esses sentimentos, colocamos tudo debaixo do tapete químico.

Quem acha que esse discurso parece discurso de auto-ajuda, espere até o argumento ser concluído. Incorporamos, com muita naturalidade, o remédio -- a droga lícita -- em nossa rotina, e isso acaba sendo, inconscientemente, transmitido aos nossos filhos pequenos, através do exemplo ou diretamente. Senão, vejamos. Através do exemplo: nossos filhos vêem que, se estamos tristes ou indispostos, ou inseguros, tomamos anti-depressivos, se não conseguimos dormir, tomamos remédio pra dormir, se temos dor de cabeça, tomamos um analgésico, se estamos cansados, tomamos vitaminas, cápsulas de guaraná ou energéticos, se vamos viajar de avião, tomamos calmantes anti-medo-de-avião... Já, diretamente, para as crianças: qualquer dorzinha, damos um tylenolzinho... Qualquer arranhãozinho, colamos um band-aid... Qualquer tossezinha, damos xarope, anti-alérgico... Narizinho correu, gotinhas... Tudo sem um telefonema ao pediatra. Atire a primeira pedra quem nunca cometeu algum desses pecadilhos com a melhor das intenções (e não me interpretem mal, em caso de doença séria, tem que levar no pediatra e fazer tudo o que ele disser e dar tudo o que ele mandar).

Num plano mais grave, tem ainda aqueles pais (e aqui, definitivamente, não me incluo) que têm filhos arteiros ou simplesmente mal educados (este atributo diz respeito aos pais, lógico), e, desejando alívio imediato, arrumam-lhes um psiquiatra-qualquer que logo os diagnostique como hiperativos ou portadores de SDA (Síndrome do Déficit de Atenção). Se pensarem bem, ninguém admite que o filho é mal educado, apenas lamenta que a criança tenha SDA ou seja hiperativo. Claro que um diagnóstico desses vem acompanhado do respectivo remédinho, e nunca antes as lancheiras foram tão equipadas com Ritalina e similares. É a lobotomia via oral. A bengalinha química milagrosa que vai deixar o filhinho bem calminho e fácil de controlar, exigindo menos dos sempre atarefados pais. E, convenhamos, o "sistema" torna tudo muito fácil, pois nada mais interessante para um psiquiatra-não-muito-sério  do que uma criança "portadora" de qualquer dessas desordens: sendo males do espírito e não do corpo, eles não aparecem em raio-X e tanto podem ser como não ser; sem falar que, por óbvio, crianças são mercado de futuros, algo como renda-fixa de longo prazo para o profissional liberal (e neoliberal)... Não quero simplificar com a generalização e sei que existem casos sérios de SDA e hiperatividade, que devem ser tratados por profissionais igualmente sérios. Mas eu, como mãe, pensaria duas vezes, ou consultaria mais de um médico. Eu mesma era uma criança bem arteira que hoje, provavelmente, seria classificada como hiperativa. Mas, naquele tempo, as velhas palmadinhas (que o Lula proibiu para resolver os males da educação infantil), me enquadraram satisfatoriamente - e sem efeitos colaterais.*

O problema em trocarmos as nossas defesas pela química não é tão grave, pois somos adultos e temos discernimento para optar entre o certo e o errado e arcar com as consequências da segunda opção. Mas com as crianças, segundo me explicou a Dra. Kátia (e faz todo o sentido), isso pode levá-los a acreditar que há sempre um remédinho para cada frustração ou dificuldade. Assim, deixam de desenvolver aquela força interior, a auto-afirmação e segurança necessárias para o enfrentamento dessas situações.

E, quando chega a adolescência, aquele momento em que os jovens e seus bagunçados hormônios ficam ainda mais vulneráveis ao peso dos medos e das frustrações, isso pode ser a porta de entrada para o uso dos "remédios" ilícitos. Eles não verão problema algum em recorrer às drogas para o alívio imediato das suas frustrações, pois isso foi o que sempre fizeram (e foram incentivados a fazer, diretamente ou através do nosso exemplo). Só que agora, eles terão à sua disposição o álcool e as drogas ilícitas, que rolam nas festas, nas casas de amigos, e baladas que eles passam a frequentar. O que os ajudará a dizer NÃO, que é o que todos nós almejamos, é a auto-afirmação. É isso o que estamos negando aos nossos filhos cada vez que lhes alcançamos, por quase nada, o remédinho fácil, de alívio imediato.

Posso estar exagerando, eu sei. Eu me inflamo facilmente, mas neste caso não vou usar anti-inflamatório. Pelo menos para mim, a conversa, cuja síntese eu aqui descrevo subjetivamente e com certo exagero, foi de uma racionalidade auto-explicativa. Vi lógica em tudo o que ouvi da Dra. Kátia. Ela me deu visão de longo alcance sobre um tema que me incomoda muito, com demonstração cabal de causa e consequência, ação e reação. Ter visão de longo alcance é uma verdadeira bênção: nos ajuda a prevenir em vez de remediar.

Posso estar mesmo exagerando mas, pelo sim, pelo não, lá em casa, no more drugs.

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*O parágrafo sobre a SDA e hiperatividade é produto da minha exclusiva observação, exagero e/ou fantasia, de modo que exonero a Dra. Kátia de qualquer comentário ou responsabilidade que possa suscitar a desconfiança em relação aos psiquiatras - eu mesma tenho um ótimo. Aliás, ressalto que não fiz referência aos psiquiatras em geral, mas ao psiquiatra-qualquer e aos psiquiatras-não-muito-sérios, aqueles que existem apenas para que se possa reconhecer a seriedade dos psiquiatras-sérios, como é o caso do meu.  
Também não quis dizer que os pais de filhos portadores de SDA ou hiperatividade sejam "mal-educantes". E nem que os portadores reais de SDA ou hiperatividade sejam simplesmente mal educados. Nem que SDA ou hiperatividade sejam pseudo-doenças. Nem que a palmadinha seja um bom educativo - eu mesma, independentemente do Lula, nunca utilizei. Minha ignorância não é tão grande na sua infinitude.
...Pensando bem, são 2 da manhã, e este é um blog politicamente incorreto. Logo, interpretem como quiserem, dêem sua opinião contrária, diminuam a minha ignorância!
(Ai ai, estou voltando a ser eu mesma! A questão é: - Será que isso é bom?)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Lição n. 3: Hobbes Estava Errado, MESMO!

Pobre Hobbes... Achava mesmo que o homem é o inimigo do homem e fez disso o pressuposto para sua construção teórica, que defendia o Absolutismo como a única forma viável de Estado. Quem faz ciência sabe: quando se parte de um pressuposto equivocado, não há teoria que resista.

A demonstração definitiva do erro em seu pressuposto veio dos meus familiares e dos meus amigos. Velhos amigos e novos amigos, que a mim se uniram neste momento tão difícil. As minhas queridas amigas e amigos, os meus vizinhos, os amigos dos meus amigos que nem eram meus amigos mas agora são, a minha turma de mâmis do colégio do meu filho, as professoras, as secretárias e a própria diretora da escola dele, meus colegas professores da faculdade e o próprio Reitor, muitos dos meus alunos... Todas essas pessoas materializaram aquela cláusula contratual, muitas vezes celebrada perante Deus, que diz "na alegria e na tristeza, na saúde e na doença...".

O homem, my dear Hobbes, é o amigo do homem.

Eu recebi numerosas manifestações de solidariedade de pessoas próximas e distantes, e agora quero que todas sejam sempre próximas, na esperança de poder um dia retribuir toda a força que me foi transmitida, toda a energia que me foi presenteada, e todas as preces, promessas e orações que fizeram a Deus para que cuidasse do André, dos seus médicos, e de mim. Recebemos cartões, santinhos, medalhinhas, livrinhos, centenas (sério, centenas!) de emails e SMSs... Uma super-amiga querida fez até com que os jogadores do Inter, em plena concentração, assinassem uma camiseta do time com carinhos e autógrafos para o André. Aos seis aninhos, ele chorou de emoção quando viu a camiseta e começamos a decifrar as assinaturas.

Perguntei: -- Meu mimoso, porque estás chorando? Não gostou?!
Ele devolveu outra pergunta: -- Eu tô muito feliz, mãe. Então porque é que eu tô chorando? 
As lágrimas corriam-lhe a face. Expliquei que, quando a gente fica muito feliz, toda aquela felicidade vai crescendo dentro da gente até ficar bem apertadinha, e lá pelas tantas ela transborda da gente, na lágrima que sai pelo olhinho...

Então, aviso aos meus queridos amigos, companheiros na doença e na tristeza, que já usei os lenços para conter a felicidade, pela recuperação do André e por poder partilhar com vocês, agora, a parte boa do nosso contrato: a saúde e a alegria. Vocês iluminaram o meu momento de escuridão, fizeram do mundo um lugar onde, em plena adversidade, eu me senti amada e confortada. Vocês fazem parte de outra lição sobre a qual vou escrever mais adiante -- a de que Deus existe.

Pensando bem, pobre Hobbes mesmo... Não tinha a minha família e nem os amigos que eu tenho.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Lição n. 2: Hobbes Estava Errado...

Thomas Hobbes dizia que o homem é o inimigo do homem, em Leviathan. Em alguns estudos sobre esta obra, que trata da origem contratualista (e necessidade) do Estado Absolutista, lê-se a expressão "o homem é o lobo do homem". Para Hobbes, os homens vivem em guerra pelos escassos bens materiais, e a finalidade do Estado é apenas proteger os homens -- protegê-los uns dos outros. Não vou alongar esta história porque, embora admire o racionalismo de Hobbes, dos contratualistas, é ele quem eu menos gosto -- aliás, não gosto. O fato é que a humanidade que eu acabo de conhecer foi melhor definida por Rousseau, para quem o homem é um ser bom por natureza. Pelo menos este aspecto da tese de Rousseau, que antagoniza a de Hobbes, eu pude confirmar através de três importantes demonstrações, duas das quais vou descrever aqui.

Primeiro, a abnegação total da equipe médica que salvou a vida do meu filho. São profissionais reconhecidos no meio médico e acadêmico: o pediatra, Dr. Enio Rotta; o cirurgião-pediatra, Dr. José Carlos Fraga; a pediatra-intensivista, Dra. Kátia Giugno. Eles têm pais, filhos, marido/esposas, consultório, vida acadêmica, alunos, artigos para publicar, pesquisas para acompanhar, e tudo aquilo que exige a dedicação de todo mundo. Poderiam, portanto, como todo mundo, estar preocupados com o próprio umbigo, permanecendo naquele confortável perímetro que nos contorna a cintura. Os três são pessoas bem sucedidas que poderiam estar usufruindo do sucesso profissional do modo como as pessoas geralmente gostam de usufruir do sucesso profissional, isto é, premiando-se com aquilo que desejam, viajando pelo mundo, jantando em bons restaurantes, passeando, acordando tarde, descansando nos finais de semana, indo ao cinema, lendo bons livros, ou simplesmente passando as noites em casa junto das suas pessoas amadas, que é como eu gosto de desfrutar dos meus momentos premiais...

Mas não. Eles passam os seus momentos premiais cuidando de crianças no limite, como o meu filho. Passam aqui a todo o momento, cuidam do André com muito carinho, rezam junto pela sua melhora, querem a melhora dele tanto quanto nós que somos pais. Eles têm as suas famílias, entretanto estão aqui, salvando a minha família. Na sexta à noite, 21:30, aqui ainda estava a Dra. Kátia, em pleno dia de comemorar o seu aniversário de casamento, cuidando do André e de nós, pais, falando sobre questões existenciais numa conversa que certamente vai influenciar o nosso futuro e iluminar a nossa vida. A abnegação dessas pessoas, a sua generosidade com o próximo (em detrimento do que é ou poderia ser seu), me tocam muito, e levam por água abaixo aquele aspecto da tese de Hobbes, de que o homem é o inimigo do homem.

Segundo, a dedicação total das enfermeiras e dos médicos plantonistas da UTI pediátrica -- quanto carinho com os pequenos pacientes! Eles também têm vida própria e, no entanto, passam a noite aqui cuidando, zelando, se doando, para pessoas que estão apenas de passagem nas suas vidas. Executam procedimentos sentindo junto a dor do paciente. No Natal, no Ano-Novo... Vibram a cada melhora como se o paciente fosse um amigo próximo ou familiar. Passam as noites acordadas com a mesma disposição de quem desperta de um sono maravilhoso e reparador em uma manhã ensolarada. E eu que não troco(cava) uma boa noite de sono por nada... Cuidam tanto dos pacientes, quanto dos pais, sempre aflitos.

Enfim, em plena adversidade, eu, tão desiludida que andava com a vida e com o jeito como o mundo funciona, descobri que esse mesmo mundo pelo qual eu até então lamentava, é um lugar bom de estar. E, finalmente, posso acreditar que Hobbes estava errado.






domingo, 5 de setembro de 2010

Lição n. 1: O que importa na vida não está à venda...

Minha primeira lição é o óbvio. As coisas que realmente importam na vida não têm preço. Todo mundo sabe disso. Será que sabe mesmo?

Pertencemos a uma massa, muitas vezes acrítica, que, sendo objeto da chamada sociedade de consumo, pensa que todos os problemas podem ser resolvidos no shopping. Não se façam de desentendidos, é assim mesmo! E não pensem que a massa são sempre "os outros", somos todos protagonistas deste sistema. Estamos programados para consumir, e assim consumimos nossas vidas (para uma percepção macrossistêmica da sociedade de consumo e outras grandes lições para todos nós, sabichões, vale a pena conferir: http://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k).

A verdade é que todos nós, em maior ou menor proporção, pensamos muito mais naquilo que não temos do que naquilo que já temos. E a felicidade passa a estar sempre no próximo objeto de desejo, e o próximo, e depois o próximo, de modo que vamos nos tornando insaciáveis e a felicidade cada vez mais volátil: satisfazemos um desejo mas a felicidade dura pouco porque já estamos pensando no próximo. Tudo contribui para que a gente consuma: a TV, a propaganda, o telefone. As vezes estamos em casa, sossegados, e liga uma vendedora de uma loja qualquer avisando que tem novidades, que chegou isso ou aquilo... Uma invasão total.

Tem ainda o pior, a auto-justificação que nos redime de todos os pecados: porque colhemos os frutos do nosso duro trabalho, achamos que simplesmente "merecemos" consumir. Coisas são um luxo que nos presenteamos para sabermos o quanto nós somos bons, bem sucedidos, ou seja, estamos sempre arrumando desculpas para justificar o quanto nos tornamos materialistas e só pensamos nas coisas. E também porque somos bons, chegamos lá, e blá-blá-blá, queremos satisfazer todos os desejos dos nossos filhos, para que não passem as privações por que passamos (e não estou falando de fome, sede, sono, abrigo, e sim daquela boneca ou do tênis Nike que todos tinham na escola menos eu. Não queremos que eles sofram. Meu Deus, sofrer por tênis ou boneca, que horror!). Pois é, gente, chega de me engana que eu gosto, nós somos assim. Façamos a mea culpa. A verdade nua e crua sempre choca, porém, o primeiro passo para crescer é realmente enxergar a nossa condição humana e falha - ou a vida como ela é.

Pois refleti muito sobre tudo isso, quando pensei que poderia ficar privada do sorriso do meu filho no futuro. Quando pensei na minha vida sem ele e sem o lindo sorriso dele, sempre oferecendo a bochechinha para um beijinho da mamãe e sempre andando em marcha-ré para se aconchegar no meu colinho. Basta que o André me veja sentada em qualquer lugar que lá vem ele, em marcha-"dé", para ganhar um colinho. Só de pensar numa vida sem isso eu senti uma dor enorme, física inclusive. Meu peito doía, a barriga doía, minhas pernas doíam, a cabeça doía.

Lamentei ter que ter sentido tanta dor para compreender que a felicidade está em apenas ver o filho da gente alegre e saltitante e para ver que eu era feliz todos os dias, mesmo naqueles em que estava triste. E com isso, uma grande lição: as coisas que realmente importam não estão à venda e nem cabem em uma sacola. A lição que todo mundo sabe, mas pouca gente entende.


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P.S. Se servir de consolo, não pensem que nossa geração é que piorou a humanidade. Vejam o que escreveu Thomas Hobbes (1588-1679), que viveu no século XVI: 
E ao homem é impossível viver quando seus desejos chegam ao fim, tal como quando seus sentidos e imaginação ficam paralisados. A felicidade é um contínuo progresso do desejo, de um objeto para outro, não sendo a obtenção do primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o segundo... Assinalo assim, em primeiro lugar, como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte.

LIÇÕES QUE APRENDI COM MEU FILHO

Meu filho, meu amado filhinho, com só 6 aninhos de idade, está na UTI. Desde ontem (4/9) está fora de perigo, mas aqui estou há 7 intermináveis dias e noites rezando a todos os santos, pedindo forças a todos os amigos, pedindo a Deus pelos médicos, e pela sua recuperação.
Nenhuma situação em minha vida foi mais difícil do que esta. Meu filho não é só um filho. É "o" filho. Criança feliz e cativante, ele é cheio de conversas e opiniões, faceiro, querido, carinhoso, um artista. É um garoto saltitante, que caminha dando pulinhos quando está feliz. E ele está quase sempre feliz.
A ciência ainda busca o sentido da vida, mas o da minha vida eu compreendo a cada momento que olho para os meus filhos. Pois desses 7 dias, por 4 eu vi de perto o risco de perder o sentido da minha existência, e com esta experiência eu pensei muito, e estou tendo a chance de passar o meu futuro a limpo.
Os próximos posts são algumas lições que eu aprendi.