Diz a lenda, e também a Constiuição Federal, que num Estado de Direito contemporâneo as autoridades públicas estão sujeitas ao dever de impessoalidade. Este dever, correlato do direito de igualdade que é fundamental e de todos nós, reflete um dever de objetividade na execução das leis e na promoção do bem comum. Em outros termos, porque exercem, muitas vezes, poderes de sujeição em face do cidadão comum, devem as autoridades agir com isenção e afastar o seu subjetivismo no exercício do munus público. Isso obriga as autoridades, também, à adoção de paradigmas objetivos, como os da lei que deve ser igual para todos, em substituição ao subjetivismo, à simples opinião ou aos sentimentos de justiça, raiva ou inveja que são tão comuns em todas as pessoas.
Pois muito bem, sintetizada a teoria, alguém tinha que dizer isso: existem dois pesos e duas medidas na fiscalização do trânsito em Porto Alegre. Então que seja eu, que conheço bem o dever de impessoalidade, que o diga. Há uma medida para o rico-cretino e (nenh)uma medida para o pobre-coitado.
Outro dia, lá estava eu, dirigindo o meu carrão, e, quando virei à ... direita (as reticências significam que eu preciso de alguns segundos para pensar se direita é direita mesmo ou esquerda, como a maioria das mulheres que eu conheço)... Bem, eu virei mesmo à direita, e quase colidi com uma carroça, puxada por um pobre cavalo velho, vindo na minha direção. Eu parei antes da carroça, portanto, foi ela que quase me atropelou. O pobre cavalo não tem freios ABS, como o meu carro, e de certo é mais propenso a ameaçar a segurança no trânsito que o meu carro. O melhor de tudo são os detalhes: a carroça vinha na contramão, conduzida por duas crianças - a maior com 12 anos, no máximo, e a outra, co-pilota, falava no celular, juro! - e, não perdi a oportunidade de, refeita do susto, olhar para trás e conferir: a carroça não tinha placas de identificação...
Eu poderia ter cometido um duplo-homicídio-culposo por culpa EXCLUSIVA das vítimas, mas, conhecendo o sistema como eu conheço, nem provando eu conseguiria provar isso. Afinal, sou rico-cretino e eles, pobres meninos, vítimas da vulnerabilidade social.
A EPTC, quando pensou em solucionar o problema da circulação dos carroceiros em Porto Alegre, achou uma solução genial: identificar as carroças, que passariam a ostentar placas na parte traseira assim como os veículos. Tudo resolvido! Trânsito seguro.
Esses guris do episódio estavam, numa fração de segundo, cometendo diversas infrações graves: andando na contramão, sem habilitação, sem cinto de segurança, sem IPVA/DPVAT pago, sem certificado de registro da carroça, celular na mão, carroça desidentificada e, ainda, cometendo maus-tratos aos animais (refiro-me à tunda que levava o pobre cavalo). Perguntem se eles levam alguma multa? Claro que não. Advertência? Não.
As autoridades têm pena dos coitadinhos e por isso não se preocupam se eles são uma ameaça à segurança no trânsito. Se fosse eu no meu carrão, cometendo todas essas infrações, levaria todas as multas e ainda ficaria sem o carro se tivesse esquecido a habilitação na outra bolsa (a da noite anterior). Ninguém tem pena de mulher que dirige carrão.
Acreditem se quiser, mas coincidência ou não, quando eu estreei o meu carro, novinho (carro bom e novo é la pièce de résistance do kit-cretino), eu levei uma multa (da PRF) por ultrapassar pela ... direta. Detalhe: NA FREEWAY, onde tem três pistas!!! Eu estava na pista lateral, a da direita, e passei pela viatura da polícia rodoviária, que vinha na pista do meio. Eu estava dentro da velocidade limite, mas vi que os policiais me olharam com aquele olhar radiante. Pensei que estavam me paquerando (quanto otimismo!), mas eles estavam sorridentes porque, afinal, me aplicariam uma multa que eu receberia depois pelo correio, por ultrapassá-los pela ... direita. O que, na freeway, tenha a Santa paciência! Mas não discuti, simplesmente paguei. Cometi a infração e mereci a multa, e acredito que a lei tem que ser cumprida. Só que tem que valer pra todos, não só pra mim.
A aplicação da lei de forma desigual é, por si só, injusta. É claro que a sociedade é desigual, mas muitas leis são desiguais também, justamente para atenuar essa desigualdade. O que não faltam no Brasil são leis protetivas dos mais vulneráveis, leis inclusivas e que buscam uma sociedade mais igualitária. Agora, aquelas leis que visam a um bem comum específico, como as regras de trânsito, não deixam qualquer margem para tratamento desigual. Quando as autoridades fazem vista grossa a ameaças reais, porque vem dos pobres-coitados, e usam lente de aumento para as infrações do rico-cretino, elas deixam de cumprir a sua função de forma impessoal. Deixam de cumprir a Constituição. E, pior, mostram-se incompetentes para a finalidade do cargo que ocupam, que é a promoção da segurança no trânsito.
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Benditas "Aspas"
Eu adoro as aspas na sala de aula. Acreditem, mas, mesmo oralmente, faço uso das aspas. Meus alunos já sabem: quando faço o tal sinalzinho, já não sou eu quem está falando. É algum personagem politicamente incorreto que eu estou apenas "imitando". As aspas são verdadeiras salvadoras da liberdade de expressão politicamente incorreta, esta defendida no meu blog: a referência é sempre de autoria do personagem, um terceiro inimputável que se permite dizer aquilo que, embora verdadeiro, cause desconforto dizer.
Hoje vou fazer uso das aspas, mas trago o personagem: Arnaldo Jabor. Eu achava que o autor das bengaladas no Dirceu era o "Último Herói Nacional" (cf. post infra), mas não, eu estava errada. Jabor é outro herói. Só que, em vez da bengala, ele usou a palavra. Ahhh..., a velha e boa palavra, quanto poder ela esconde e quanta verdade revela! E as palavras do Jabor, pelo jeito, feriram mais que as bengaladas, pois nosso Presidente conseguiu que o TSE obrigasse a CNB a retirar do seu site (http://www.estilofacil.com/blog/extras/comentario-de-arnaldo-jabor-removido-da-cbn-por-determinacao-do-tse/) o texto que ora transcrevo.
ENTRE ASPAS, bem entendido.
E ao Arnaldo Jabor, uma só palavra: Obrigada.
"A VERDADE ESTÁ NA CARA, MAS NÃO SE IMPÕE"
(ARNALDO JABOR)
"O que foi que nos aconteceu?
No Brasil, estamos diante de acontecimentos inexplicáveis, ou melhor, 'explicáveis' demais.
Toda a verdade já foi descoberta, todos os crimes provados, todas as mentiras percebidas.
Tudo já aconteceu e nada acontece. Os culpados estão catalogados, fichados, e nada rola.
A verdade está na cara, mas a verdade não se impõe. Isto é uma situação inédita na História brasileira!!!!!!!
Claro que a mentira sempre foi a base do sistema político, infiltrada no labirinto das oligarquias, mas nunca a verdade foi tão límpida à nossa frente e, no entanto, tão inútil, impotente, desfigurada!!!!!!!!
Os fatos reais: com a eleição de Lula, uma quadrilha se enfiou no governo e desviou bilhões de dinheiro público para tomar o Estado e ficar no poder 20 anos!!!!
Os culpados são todos conhecidos, tudo está decifrado, os cheques assinados, as contas no estrangeiro, os tapes, as provas irrefutáveis, mas o governo psicopata de Lula nega e ignora tudo !!!!!
Questionado ou flagrado, o psicopata não se responsabiliza por suas ações. Sempre se acha inocente ou vítima do mundo, do qual tem de se vingar. O outro não existe para ele e não sente nem remorso nem vergonha do que faz !!!!!
Mente compulsivamente, acreditando na própria mentira, para conseguir poder. Este governo é psicopata!!! Seus membros riem da verdade, viram-lhe as costas, passam-lhe a mão nas nádegas. A verdade se encolhe, humilhada, num canto. E o pior é que o Lula, amparado em sua imagem de 'povo', consegue transformar a Razão em vilã, as provas contra ele em acusações 'falsas', sua condição de cúmplice e Comandante em 'vítima'!!!!!
E a população ignorante engole tudo. Como é possível isso?
Simples: o Judiciário paralítico entoca todos os crimes na Fortaleza da lentidão e da impunidade. Só daqui a dois anos serão julgados os indiciados - nos comunica o STF.
Os delitos são esquecidos, empacotados, prescrevem. A Lei protege os crimes e regulamenta a própria desmoralização Jornalistas e formadores de opinião sentem-se inúteis, pois a indignação ficou supérflua. O que dizemos não se escreve, o que escrevemos não se finca, tudo quebra diante do poder da mentira desse governo.
Sei que este é um artigo óbvio, repetitivo, inútil, mas tem de ser escrito...
Está havendo uma desmoralização do pensamento.
Deprimo-me:
'Denunciar para quê, se indignar com quê? Fazer o quê?'
A existência dessa estirpe de mentirosos está dissolvendo a nossa língua. Este neocinismo está a desmoralizar as palavras, os raciocínios. A língua portuguesa, os textos nos jornais, nos blogs, na TV, rádio, tudo fica ridículo diante da ditadura do lulo-petismo.
A cada cassado perdoado, a cada negação do óbvio, a cada testemunha, muda, aumenta a sensação de que as idéias não correspondem mais aos fatos!!!!!
Pior: que os fatos não são nada - só valem as versões, as manipulações.
No último ano, tivemos um único momento de verdade, louca, operística, grotesca, mas maravilhosa, quando o Roberto Jefferson abriu a cortina do país e deixou-nos ver os intestinos de nossa política.
Depois surgiram dois grandes documentos históricos: o relatório da CPI dos Correios e o parecer do procurador-geral da república. São verdades cristalinas, com sol a Pino.
E, no entanto, chegam a ter um sabor quase de 'gafe'.
Lulo-Petistas clamam: 'Como é que a Procuradoria Geral, nomeada pelo Lula, tem o desplante de ser tão clara! Como que o Osmar Serraglio pode ser tão explícito, e como o Delcídio Amaral não mentiu em nome do PT ? Como ousaram ser honestos?'
Sempre que a verdade eclode, reagem.
Quando um juiz condena rápido, é chamado de 'exibicionista'. Quando apareceu aquela grana toda no Maranhão (lembram, filhinhos?), a família Sarney reagiu ofendida com a falta de 'finesse' do governo de FH, que não teve a delicadeza de avisar que a polícia estava chegando...
Mas agora é diferente.
As palavras estão sendo esvaziadas de sentido. Assim como o stalinismo apagava fotos, reescrevia textos para contestar seus crimes, o governo do Lula está criando uma língua nova, uma neo-língua empobrecedora da ciência política, uma língua esquemática, dualista, maniqueísta, nos preparando para o futuro político simplista que está se consolidando no horizonte.
Toda a complexidade rica do país será transformada em uma massa de palavras de ordem , de preconceitos ideológicos movidos a dualismos e oposições, como tendem a fazer o Populismo e o simplismo.
Lula será eleito por uma oposição mecânica entre ricos e pobres, dividindo o país em 'a favor' do povo e 'contra', recauchutando significados que não dão mais conta da circularidade do mundo atual. Teremos o 'sim' e o 'não', teremos a depressão da razão de um lado e a psicopatia política de outro, teremos a volta da oposição Mundo x Brasil, nacional x internacional e um voluntarismo que legitima o governo de um Lula 2 e um Garotinho depois.
Alguns otimistas dizem: 'Não... este maremoto de mentiras nos dará uma fome de Verdades'!
A solução é não votar no PT, nem na Dilma, nem em qualquer político que já esteja no cargo: Renovação já!!"
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Política de Cotas Universitárias: A Cota Loira-Burra
Em 5 anos eu quero voltar pra faculdade. É, quero cursar economia na UFRGS. Vai demorar uns 5 anos porque eu não sei se conseguirei aprender química em menos tempo do que isso. E é bom que eu aprenda química, pois vou ter que passar no vestibular e, além disso, química deve ser essencial para entender economia -- só que isso eu nunca entendi porque sempre fui impermeável à química. Alguns amigos já me recomendaram conseguir algum "esquema" lá na UFRGS, afinal, eu já tenho mestrado e doutorado em Direito pela UFRGS, e não há de ser difícil que gente titulada consiga re-ingresso. Não seria o meu caso, primeiro, pois não se trataria de re-ingresso (meu ingresso em graduação deu-se na PUC), e, segundo, eu odeio "esquema". Prefiro ralar para passar no vestibular.
Mas tenho esperança, e não haverá de ser tão difícil passar. Do jeito que as coisas vão, até lá, a política de cotas universitárias deverá ser ampliada para abranger uma cota destinada às loiras-burras. É nessa que eu vou! Me deixem lá, com as minhas coleguinhas oxigenadas e a competição será justa.
Pensando bem, nada mais justo para as loiras do que uma cota loira-burra -- eu mesma defenderia essa tese, baseada nos mesmíssimos argumentos que justificam medidas compensatórias para outros grupos excluídos. Eis aí uma categoria (a das loiras) que, a exemplo de outras, é vítima de uma discriminação histórica. Loiras são motivo de piada, chacota e, até o Gabriel, o Pensador, um cara inteligente pra burro (sem trocadilho), verteu em música a burrice da loiras, corroborando, assim, o preconceito quanto a esse grupo social. E se for comprovado que isso tudo não é preconceito, é conceito mesmo, ou seja, as loiras são mesmo burras, mais razão ainda para promover a sua inclusão social no mundo dos cultos através de um passeio pelo ensino superior. Portanto, as loiras são dignas de uma medida compensatória que erradique o preconceito e as torne mais inteligentes pois, munidas de diploma universitário, ninguém mais poderá discriminá-las pela burrice (kkkkkkkk!). O mundo vai perder um pouco a graça, é verdade, pois as piadas de loiras são ótimas, mas, enfim, para sermos coerentes com as políticas atuais, impõe-se a inclusão das loiras.
Eu espero também, que, assim como as cotas universitárias reservadas para os negros, pardos e índios, o critério para pertencer à cota loira-burra seja o da auto-declaração, assim eu nem precisarei tingir os cabelos para parecer mais loira e nem fazer cara de idiota para parecer burrinha. Bastará assinalar no formulário: (x) loira-burra. Aliás, nós loiras até gostamos de parecer burrinhas, assim vivemos surpreendendo os outros inteligentes. E tudo sem o menor constrangimento, até porque, se alguém é loiro ou não, se é burro ou não, isso é só uma questão de perspectiva. Perguntem aos que se auto-declaram pardos como é que funciona...
Pois é, eis aí uma bandeira. O Brasil está tão engajado na promoção dos excluídos que não pode esquecer do grupo das loiras-burras. Nos incluam em coisa mais séria, não só em baladas e comerciais de cerveja! Afinal, este é um país de tolos, digo, de todos.
Ao leitor desavisado: qualquer política de cotas universitárias, cujo critério de acesso ao ensino superior não seja o meritório, é inconstitucional. Outro dia falaremos sobre isso.
Mas tenho esperança, e não haverá de ser tão difícil passar. Do jeito que as coisas vão, até lá, a política de cotas universitárias deverá ser ampliada para abranger uma cota destinada às loiras-burras. É nessa que eu vou! Me deixem lá, com as minhas coleguinhas oxigenadas e a competição será justa.
Pensando bem, nada mais justo para as loiras do que uma cota loira-burra -- eu mesma defenderia essa tese, baseada nos mesmíssimos argumentos que justificam medidas compensatórias para outros grupos excluídos. Eis aí uma categoria (a das loiras) que, a exemplo de outras, é vítima de uma discriminação histórica. Loiras são motivo de piada, chacota e, até o Gabriel, o Pensador, um cara inteligente pra burro (sem trocadilho), verteu em música a burrice da loiras, corroborando, assim, o preconceito quanto a esse grupo social. E se for comprovado que isso tudo não é preconceito, é conceito mesmo, ou seja, as loiras são mesmo burras, mais razão ainda para promover a sua inclusão social no mundo dos cultos através de um passeio pelo ensino superior. Portanto, as loiras são dignas de uma medida compensatória que erradique o preconceito e as torne mais inteligentes pois, munidas de diploma universitário, ninguém mais poderá discriminá-las pela burrice (kkkkkkkk!). O mundo vai perder um pouco a graça, é verdade, pois as piadas de loiras são ótimas, mas, enfim, para sermos coerentes com as políticas atuais, impõe-se a inclusão das loiras.
Eu espero também, que, assim como as cotas universitárias reservadas para os negros, pardos e índios, o critério para pertencer à cota loira-burra seja o da auto-declaração, assim eu nem precisarei tingir os cabelos para parecer mais loira e nem fazer cara de idiota para parecer burrinha. Bastará assinalar no formulário: (x) loira-burra. Aliás, nós loiras até gostamos de parecer burrinhas, assim vivemos surpreendendo os outros inteligentes. E tudo sem o menor constrangimento, até porque, se alguém é loiro ou não, se é burro ou não, isso é só uma questão de perspectiva. Perguntem aos que se auto-declaram pardos como é que funciona...
Pois é, eis aí uma bandeira. O Brasil está tão engajado na promoção dos excluídos que não pode esquecer do grupo das loiras-burras. Nos incluam em coisa mais séria, não só em baladas e comerciais de cerveja! Afinal, este é um país de tolos, digo, de todos.
Ao leitor desavisado: qualquer política de cotas universitárias, cujo critério de acesso ao ensino superior não seja o meritório, é inconstitucional. Outro dia falaremos sobre isso.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Cheesecake de Dulce de Leche
Essa é pra Luíza Helena, uma aluna querida. Ela não acredita que eu sei cozinhar, disse que não consegue me imaginar na cozinha. Talvez porque me ache uma patricinha -- e eu tenho a maior cara de patricinha. Mas a verdade é que na cozinha eu sou um arraso! E também não sou nada modesta. Culpa dos meus pais. Tudo é sempre culpa dos pais (ainda mais hoje que se sabe que quase tudo é genético), e até o fato de eu saber cozinhar é culpa deles.
Bem, mas minha história com a cozinha é longa e vou tentar encurtar, pois o objetivo deste post é só dar uma receita para a Luíza Helena e provar que mesmo as patricinhas põem, literalmente, a mão na massa.
A história começou na infância. Eu sempre fui apaixonada pelo meu pai, desde pequenininha. O meu pai não gostava da comida da minha mãe (com toda a razão) e vivia comparando com a da minha avó (tadinha da mamãe). Então eu, agarrada que era no pai, sempre que podia estava na saia da minha avó, na cozinha da fazenda, observando sua movimentação: a idéia era superá-la na cotação do papai. Ela me deixava ajudar, mas não pude aprender muito. A Vó Nair morreu cedo, quando eu ainda era criança, e criança não chega muito perto de fogão. Mas omelete, bolo, torrada, massa e outras coisinhas bastantes para a sobrevivência eu já sabia fazer sozinha aos oito anos. Aos nove, meus pais se separaram. Eu queria-porque-queria morar com o meu pai, e então, para argumentar, usei o "trunfo" da cozinha: poderia cozinhar omelete pra ele. Mas não adiantou, ele não me levou, pois omelete não seria suficiente para manter um cardápio semanal. Não fiquei tão triste porque, no final das contas, a comida da nova mulher era ainda pior que a da minha mãe, pois depois de separado, e sem a cozinha da vovó, meu pai ainda passou anos almoçando todo dia na nossa casa. Vá entender os adultos... De qualquer forma, a mensagem subliminar foi a plena eficácia do "pegar pela barriga", e daí meu interesse por comida só aumentou.
Inventei poucas coisas na cozinha, meu forte mesmo é copiar. Eu como um negócio fora, gosto, e depois faço em casa, no mínimo igual, mas geralmente faço melhor (não, ninguém adquire modéstia com apenas dois parágrafos). Mas uma coisa que eu mesma inventei, pois nunca vi ou comi fora de casa, é o cheesecake de dulce de leche. Sim, dulce de leche. Não pode ser simplesmente doce de leite: se não for uruguaio, não será dulce de leche. É muito fácil de fazer. A receita consiste, na verdade, em só misturar os ingredientes certos - mas inteligência é fazer as relações certas, certo?! Então, lá vai:
CHEESECAKE DE DULCE DE LECHE
Fundo de torta:
1 pacote de bolacha maria de chocolate
100g (1/2 tablete) de manteiga
Triturar a bolacha no liquidificador e misturar na manteiga com os dedos, até formar uma massa homogênea. Dividir em duas porções: uma para cobrir o fundo de uma assadeira redonda com aro removível. A outra para cobrir as laterais (do aro).
Recheio:
2 potinhos de cream cheese (deixar 1h fora do gelo para amolecer)
1 caixinha de creme de leite
MUITO dulce de leche
Bater bem, com a mão (quer moleza, é?), o cream cheese até ficar lisinho. Misturar o creme de leite. E depois o dulce de leche. Vai botando bastante, sem economizar. Eu gosto do Conaprole (Dulce de Leche con Crema). A hora de parar é pela cor, quando a mistura estiver com cara de creme de dulce de leche, ou simplesmente prove para ver se está a contento - não será nenhum sacrifício. Despejar dentro da massa na forma e levar ao forno pré-aquecido por 20 minutos. Depois de esfriar, levar ao refrigerador por várias horas (se lembrar, deixar meia hora no freezer antes de servir).
Cobertura: Tem duas variações:
1. Calda de chocolate meio amargo derretido dissolvido com um pouquinho de leite.
2. Calda de dulce de leche aquecido com bem pouquinho leite. Bem pouquinho!
Colocar a calda sobre a torta só na hora de servir.
É isso. Tem trezentas mil calorias, mas cada uma delas vale a pena. Juro por Deus. Se a idéia for pegar alguém pela barriga, dou até garantia.
Depois, Luíza Helena, me diz se patricinha não cozinha.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Yves Hublet - Último Herói Nacional
Ontem, 3 de agosto, morreu o último herói nacional. Sua morte deu-se em circunstâncias absolutamente suspeitas (os mais curiosos poderão conferir: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticia.asp?cod_canal=1&cod_publicacao=33879). Antes que ele caia definitivamente no esquecimento, rendo a ele minha última homenagem. Ele era belga de nascimento, mas era um cidadão brasileiro morador da cidade de Curitiba. Já idoso, notabilizou-se por ter desferido as famosas bengaladas no José Dirceu. Por isso tornou-se, no meu imaginário, um herói nacional: aquele que fez o que todo mundo gostaria de fazer.
Eu creio que nada justifica a violência. Exceto o José Dirceu e a entourage do episódio, pois as bengaladas ocorreram no auge da crise do mensalão (http://www.youtube.com/watch?v=yV81wDaNfIE). Pois eu aposto que o Sr. Hublet tinha votado no PT. Para ter tanta raiva, tinha que estar muito frustrado. Tinha apostado que tudo ia mudar, que o Brasil ia crescer, que os idosos e os pobres seriam retirados do limbo, que todos teríamos um final feliz e que a moralidade seria restabelecida no país, afinal de contas, foi o PT quem inventou a ética e a moralidade (sim, esqueçam Aristóteles, Kant, o negócio é o PT). E aí, primeiro vem a contribuição previdenciária dos inativos, com um descontinho básico na sua aposentadoria, e logo depois, vem à tona o segredinho do sucesso do Executivo no Congresso Nacional: o neoPT pagava pelos votos dos oposicionistas.
Trazendo um pouco de explicação “técnica” ao caso, num Estado de Direito, isto é, um Estado que se sujeita às mesmas leis que lança para o cidadão cumprir, as coisas somente funcionam se essas leis forem efetivamente democráticas. Isso significa que aqueles que são escolhidos para a elaboração das leis, os parlamentares, devem manter-se fiéis aos interesses daqueles que lhes conferiram o poder de votar (nós, o povo). Pois é esta fidelidade que nós devemos cobrar (Hublet o fez via bengala) dos nossos eleitos quando eles, através do voto parlamentar, escolhem os caminhos a serem seguidos pela sociedade, caminhos que são traçados pelas leis.
Votar uma lei por dinheiro – e o desgraçado, para ser parlamentar, já recebe um salário vinte vezes maior que a media dos salários na iniciativa privada e mais um monte de privilégios – contraria toda a lógica democrática, fazendo prevalecer os interesses (digamos assim) minoritários. Haja bengala.
O caso do mensalão aguarda julgamento no STF. Está com o Ministro Joaquim Barbosa. Se ele julgar esse negócio, eu mesma o perdoarei por todas as outras bobagens que ele anda fazendo no Supremo. Se não julgar, espero que algum herói esteja com a bengala em punho em Brasília.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Rico Cretino!
A gente estuda, fica inteligente, trabalha 24/7, batalha, ganha bastante dinheiro, paga todos os tributos, faz trabalho voluntário, vive honestamente e faz tudo certinho, mas não adianta. Ao menor sinal de riqueza, a gente se torna um filho-da-puta neste país. Avarento. Cretino. Individualista miserável. E somos continuamente lembrados disso.
Quem tem um carrão, então, esse é um coitado. Não importa o quanto o cara trabalhou pra pagar pelo carro. Esse se sente um cretino várias vezes ao dia. Só na volta do trabalho pra casa, perto das 11 da noite, eu me sinto uma cretina pelo menos duas vezes. Me sinto cretina na sinaleira da Aparício Borges com a Bento, e também quando chega a Av. Ipiranga. Sempre nas esquinas.
Tudo por causa dos pedintes. Eles pedem esmolas fazendo malabarismo, beicinho, pedindo pelamordeDeus, pedindo só uma moedinha, pedindo que eu abaixe o vidro... Eu fico séria, olhar fixo no semáforo. As vezes, até me desculpo por não dar dinheiro, mas o pedinte não ouve porque meu vidro continua bem fechadinho -- só não me desculpo quando me chamam de "tia", o que, aos 38, tenha a Santa paciência! E depois da negativa, a verdade vem à tona, dita pela boca do grupos vulneráveis da sociedade:
Tudo por causa dos pedintes. Eles pedem esmolas fazendo malabarismo, beicinho, pedindo pelamordeDeus, pedindo só uma moedinha, pedindo que eu abaixe o vidro... Eu fico séria, olhar fixo no semáforo. As vezes, até me desculpo por não dar dinheiro, mas o pedinte não ouve porque meu vidro continua bem fechadinho -- só não me desculpo quando me chamam de "tia", o que, aos 38, tenha a Santa paciência! E depois da negativa, a verdade vem à tona, dita pela boca do grupos vulneráveis da sociedade:
- Sua miserável! Desgraçada!
É claro que me sinto terrível, uma filha-da-mãe por ser tão egoísta naquele exato momento e lugar. Deus está vendo e eu não vou pro céu. Oh, mundo cruel! Eu, no meu carrão, com ar condicionado e som do iPod (detalhe: depois de trabalhar até as 10:40 da noite), e eles, uns pobres-coitados, que não tiveram chance e nem educação, precisando de um troco sabe lá pra quê. Cretina! Cretina!
Mal sabem eles, mas o que eu gasto para que os vulneráveis tenham uma vida melhor não é pouco! Para ser menos imprecisa, só com a União, eu gasto quase 30% de toda a minha renda. Isso significa que, em um ano, eu trabalho quase 4 meses só pra pagar o imposto de renda. Imagina só: trabalho janeiro inteirinho, naquele calorão, e não recebo nada. Zero. Depois, fevereiro, e nada. Depois março e... zero de novo. Mais 3 semanas em abril e nada. Nada-nada-nada! Todo esse trabalho, convertido em moeda, vai pro leão do IR, e do leão vai pra bolsa-escola, bolsa-família, auxílio-reclusão (esse é novo, valor destinado aos filhos de presidiários – conferir: Portaria nº 333, de 29/6/2010), bolsa-disso, bolsa-daquilo. Não me importo de pagar. Mas essas são verbas que, supostamente, deveriam impedir que os pedintes da rua lá permanecessem xingando justamente quem sustenta o bolsão que virou a ação social neste país. Mas tem mais. Só para estar ali, e rodar no meu carrão, eu pago IPVA. Pago ICMS e CIDE sobre o petróleo pela gasolina. Inclusive pelo meu carrão, eu paguei mais que o dobro do que ele vale no país de origem por conta dos IPI, Imposto de Importação, ICMS e o I-Escambau...
Estima-se que, ao todo, o brasileiro gasta 56% de sua renda com tributos. Isso seria trabalhar de janeiro até 10 de agosto sem receber salário – indo tudo pro governo, a babazona que se paga para cuidar de toda essa gente. Essa babazona negligente, populista, que faz a gente se sentir um cretino. Cretino! Cretino!
Estima-se que, ao todo, o brasileiro gasta 56% de sua renda com tributos. Isso seria trabalhar de janeiro até 10 de agosto sem receber salário – indo tudo pro governo, a babazona que se paga para cuidar de toda essa gente. Essa babazona negligente, populista, que faz a gente se sentir um cretino. Cretino! Cretino!
A Gafe 1: (In)Consciência Ecológica
Uma vez eu participei de um almoço em que estava presente o Ministro Carlos Britto, do STF. Ele ainda não era ministro, então ninguém disputava um lugar perto dele na mesa e sentamos de frente um pro outro. Carlos Ayres Britto era Professor de Direito Constitucional em Aracajú, e estávamos na Bahia para o Congresso de Direito do Estado, que acontece todos os anos em Salvador. Naquele exato momento, estávamos na Churrascaria Porcão.
O Dr. Britto é um sujeito encantador, um doce de pessoa. Bom de prosa e também de poesia. Reparei que ele, magrinho e muito frugal, só comia salada, enquanto eu, a gauchinha, dê-lhe picanha e fraldinha. Perguntei se ele não apreciava uma picanha linda, gorda e perfeita como aquela, ao que ele respondeu-me, com aquele sotaque meigo e doce que a gente só ouve da Bahia pra cima:
- Não, minha querida, é que sou vegetariano.
Minha curiosidade foi subitamente despertada. Ser vegetariano na minha terra é quase crime.
- Vegetariano, Professor? Trata-se de alguma recomendação médica?
Ao que ele respondeu, com um sorriso calmo que só as pessoas mais elevadas sabem expressar:
- Não, não é pela saúde não... É que eu acredito que o homem pode ter uma forma de se alimentar sem infligir sofrimento sobre os outros animais...
Silêncio. Com essa resposta, eu fiquei mais rosada que a picanha no meu prato. Aquela baita picanha no meu prato e eu pensei nas vaquinhas, lânguidas, a pastar nos verdes prados do meu rincão. Ninguém gosta de lembrar das vaquinhas quando come picanha. Me senti o próprio bicho-papão. Cruel.
- O senhor também não come nem frango nem peixe?, perguntei, admirada.
- Não, pela mesma razão, ele respondeu.
Coerente, pensei. Fiquei, por um segundo, pensativa (mulheres não conseguem parar para pensar por mais de um segundo). Estava diante de um santo homem, de um sujeito que renunciava, literalmente, aos prazeres das carnes branca e vermelha pelo bem dos animais. Coisa de santidade. Não me contive (mulher dificilmente se contém):
- Mas e o senhor usa cinto, sapatos, carteira de couro? –ao que olhei indiscretamente por debaixo da mesa para confirmar os sapatos de couro e prossegui:
- O senhor sabe que quando eu morei na Alemanha, eu tinha uma amiga americana, meio esquisita, que também era vegetariana (no “esquisita”, meu marido lançou-me “aquele” olhar) pelas mesmas razões que o senhor... Mas a única vegetariana coerente que eu conheci, pois ela não usava nada de couro. Nem tênis, nem bolsa, nem carteira, nadinha. Uma santa. Para mim, seria mais difícil renunciar aos sapatos e bolsas do que aos prazeres da carne – mesmo sendo gaúcha e louca por churrasco...
Enquanto ele me olhava, um tanto pensativo, dois chutões me atingiram por debaixo da mesa. Eram do meu marido, nesta altura já mais ligado na minha conversa do que na dele com o sujeito ao lado. Dois chutes significam isso mesmo: calada! Um chute era apenas para mudar de assunto. Código de casal antigo, coisa super cordial.
O Professor disse, gentil e simpático, com um amplo sorriso:
– Pois é, acho que você me pegou...
– Não era a minha intenção, Professor (jura!)... Essa minha amiga era muito esquisita, mas uma grande lição de coerência. E fez de mim uma carnívora coerente...
Garfei e levei à boca aquele pedaço mais bonito da picanha, aquele que normalmente a gente deixa por último, que envolve a carne rosadinha com o tostadinho salgado, e fui mastigando, bem mastigadinho, para que o silêncio se prolongasse. Pensei nos meu casaquinhos de couro, lindos, leves, macios, com cheirinho de couro e tudo, pendurados com todo o carinho no meu closet. Pensei nos meus sapatos, oh, os meus lindos sapatos, enfileiradinhos, organizados pela cor. Vero Cuoio, Echtes Leder, Couro Legítimo, Pure Leather... Ai meu Deus, como eu gosto disso! E os pobres animais sofrem por conta das minhas paixões...
Me consolei por, pelo menos, não gostar de peles - raposa, coelho, chinchila, essas coisas. Pele é cruel (ninguém se alimenta do pobre do bicho), brega, e me dá alergia. Mas couro, de vaca e de cabra... Tudo é irresistível, do churrasco ao sapato! Mas enquanto meu alterego dizia: predadora, predadora!, e o flash da vaquinhas me assaltava o pensamento, o ego respondia, abalizado: mas elas se reproduzem aos milhares, não é mesmo?! (e disso o ego sabe, o bom do mundo animal é isso: a gente se reproduz. Não porque a perpetuação da espécie seja o fim, mas porque a gente a-do-ra os meios.) Movimentam a economia, geram empregos, renda, tributos e arrecadação, e daí geram escolas, hospitais, saneamento, não é mesmo?! (o ego adora dar discurso)
A picanha já estava triturada e sem gosto, não dava para prolongar mais o silêncio. Tive que engolir. O Professor continuava me olhando. Minha última fala tinha terminado com reticências, então ele esperava uma conclusão. Pensei nos casaquinhos de couro, nas bolsas e nos sapatos, prazeres pelos quais valeria arder na chama do inferno... Então arrematei:
- E esse calorão no mês de maio na Bahia, Professor? Isso é normal?!
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