domingo, 31 de outubro de 2010

"In Dubio Pro Lege"

Ainda sobre a Lei da Ficha Limpa, um breve esclarecimento. Permanece o empate de 5x5 no Supremo, mas, como todos sabem, após um julgamento eletrizante, a lei foi considerada válida e aplicada, para essas eleições e também retroativamente, aos casos ocorridos no passado.

Apesar de todas as atrocidades cometidas contra a Constituição, 5 Ministros votaram a favor da lei com seus argumentos apelativos e populistas (acho que lembro de cabeça: Carmem Lúcia, Joaquim, Carlos Britto, Lewandowski e Ellen - Ellen inovou ao divergir do Gilmar, logo agora?!). Mas não foram eles que venceram. A lei só foi considerada válida porque a Constituição exige a maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade, que, no caso, seria de 6 votos. Contra a lei, tínhamos somente 5 votos (Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello, Gilmar e Toffoli). Logo, pela Constituição, faltaria 1 voto.

Meu consolo é que estes últimos 5 Ministros não fizeram como aqueles outros 5... Não impuseram sua vontade com argumentos meramente políticos e nem atropelaram a Constituição. Deram-se por vencidos porque a Constituição pedia pelo menos 6 votos,  então, in dubio pro lege.

Ainda resta uma esperança... Ou cinco. Para estes, simplesmente, 6 é 6. Para os outros, simplesmente, não existe o artigo 16.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

E o Salário...

Como está difícil ser professor de Direito Constitucional nesses dias de relativismo... O Supremo Tribunal  Federal está reduzindo a pó uma das poucas coisas em que eu ainda acreditava, que era o postulado da supremacia da Constituição. Era, porque a Constituição foi pra baixo do tapete, junto com tudo mais que importa neste país.


O placar estava em 5x5 quando foi suspenso o processo que declararia a inconstitucionalidade da Lei Complementar 135, de 04/6/2010, também conhecida como Lei da Ficha Limpa. Eu devo estar meio burrinha pois, de jeito nenhum, eu consegui entender como os 5 Ministros que defendem a constitucionalidade da lei, conseguiram reconhecer a validade da sua incidência nesta eleição, quando o art. 16 da Constituição diz, claríssima e literalmente: "lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência" (sublinhei). Para o bom entendedor, basta dizer que só para eleições a partir de junho de  2011 é que a lei poderia ser aplicada. E ponto.


A interpretação que se deu quanto à possibilidade de aplicação retroativa desta lei (a casos ocorridos no passado) já era, no mínimo, duvidosa, em face de tudo o que se entende por segurança jurídica. Mas no que diz respeito com seu primeiro ano de vigência, seria certo dizer, a partir da leitura do art. 16: ela não incide de jeito nenhum agora! Há, ainda, outros pontos de atrito com a Constituição, especialmente a questão da presunção de inocência, que, segundo ela, só é desfeita por decisão transitada em julgado; contudo, segundo a lei, isso já não é necessário, pois basta decisão de órgão colegiado, ainda que sem trânsito em julgado... Sequer seria necessário aprofundar tudo isso, pois o art. 16 já nos revela, sozinho, o absurdo do julgamento: transformar o dito em não-dito. Ou ignorar solenemente as palavras escritas, em bom português, na Lei Maior.


No raciocínio desses 5 Ministros, nada disso importa. A Constituição não importa. Eles jogaram para a torcida, alegando que o que importa é restituir a moralidade ao Brasil em caráter urgente, ainda que às custas da Constituição e de seus direitos fundamentais. E a imoralidade em atropelar a Constituição? Essa não conta?! Isso, do meu ponto de observação, suja a ficha dos Ministros do STF, aqueles que, segundo a Constituição, deveriam ser os seus guardiões. 


Enfim, agora fica difícil explicar aos alunos o sentido do postulado da supremacia da Constituição. Tudo culpa desses 5 Ministros do Supremo, que devem, eles próprios, ter faltado à aula dos postulados constitucionais. Pensando neles e nesta trapalhada com a Lei da Ficha Limpa, acabo lembrando a frase que se ouvia na velha escolinha do Professor Raymundo: "- E o salário, óóó..."

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Quem Foi o Juiz?

Taí uma pergunta que não quer calar desde que vi o caso da menina Joana Marins no Fantástico, no domingo passado. Quem foi o desgraçado que tirou a menina da casa da mãe para entregá-la a um pai com histórico de violência, inclusive contra a própria criança? Como um magistrado chega a uma decisão dessas, negando à mãe o direito de visita à filha por 90 dias?  A imprensa relata a existência de inúmeros boletins de ocorrência relatando constantes brigas entre o pai de Jonna e sua atual esposa, inclusive provocadas pela intolerância desta à presença da menina. Falam de uma cadeira que a madastra havia quebrado nas costas do pai porque ele daria uma festa de aniversário para a filha - coisa de gente super equilibrada...

Se eu fosse a mãe, tentaria responsabilizar o Judiciário. Não porque alguma recompensa financeira possa aplacar a sua dor. Nenhum dinheiro no mundo diminui a dor de uma mãe que perdeu um filho, e isso eu posso dizer pois quase perdi o meu e sei que não haveria consolo para essa perda. Ainda mais uma perda nessas circunstâncias, em que a tragédia era anunciada. Eu responsabilizaria o Judiciário para evitar que futuras tragédias como essa destruíssem outras famílias e, sobretudo, porque juiz tem que ser responsável pelos seus atos. Simples assim.

Se eu, como advogada, causo dano a um cliente por negligência, imperícia ou por erro grosseiro, ou um médico comete erro médico comprometendo seu paciente, ninguém hesitaria em nos responsabilizar pelos danos, pois estariam presentes todos os elementos necessários ao dever de indenizar: uma ação ou omissão, um dano, e o nexo causal que relaciona a ação ou omissão ao estrago feito. Porque não ocorre o mesmo com o trabalho do magistrado? Não deve ele ter o mesmo dever de zelo e cuidado no desempenho do seu ofício?

Buscando resposta para a minha pergunta, soube que o juiz, na verdade, é uma juíza, a Dra. Claudia Nascimento Vieira, do Rio de Janeiro. A Dra. Cláudia, é humana como todos nós, e comete erros, como todos nós. Pode ser que a Dra. Cláudia tenha filhos na escola, ou aula de tênis ou de pilates, ou tenha que levar os filhos na aula de inglês, ir ao supermercado, ao cinema, na manicure, ou seja, pode ser que ela tenha que fazer as coisas que toda mulher tem que fazer... Então, aquele processo estava à sua mesa, aguardando uma decisão, e tinha que ser lido inteirinho, e com todo o cuidado por tratar de interesse de menor. E olhem o que diz o art. 227 da Constituição: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão"  (grifei).

Chega a me doer digitar esse dispositivo pensando na Joanna. A Constituição utiliza a expressão "prioridade" uma única vez em todo o seu texto, justo quando trata da proteção ao menor. Por triste contradição, a Dra. Cláudia, que É o Estado, terminou submetendo a menina a tudo isso: negligência, violência, crueldade, opressão, tudo culminando na sua morte. Que horror. Será que Sua Excelência dorme de noite?

Pois é, o processo devia estar lá, junto com outros mil. Mas Sua Excelência  também tinha que pegar os filhos na escola, ir na aula de pilates, no supermercado, ou qualquer dessas outras coisas que todo mundo tem que fazer. Isso é a realidade do Judiciário: pessoas como nós. Só que um magistrado, se não consegue fazer tudo o que tem que fazer e ainda decidir a vida dos outros decentemente, pelamordeDeus: NÃO SEJA MAGISTRADO! Escolha um atividade que não repercuta, de forma imperativa, na vida dos seus semelhantes.

É chavão dizer que todos têm o direito de errar, mas quando se diz isso, sempre pensamos em erros cujas consequências recaiam sobre nós mesmos, sujeitos ativos do erro. Errar com a vida dos outros, impor as consequências dos nossos erros aos outros, isso é uma desumanidade e, pior, uma tremenda injustiça...

...Algo totalmente incompatível com a função daqueles que, justamente, estão comprometidos em fazer JUSTIÇA.