segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Lição n. 2: Hobbes Estava Errado...

Thomas Hobbes dizia que o homem é o inimigo do homem, em Leviathan. Em alguns estudos sobre esta obra, que trata da origem contratualista (e necessidade) do Estado Absolutista, lê-se a expressão "o homem é o lobo do homem". Para Hobbes, os homens vivem em guerra pelos escassos bens materiais, e a finalidade do Estado é apenas proteger os homens -- protegê-los uns dos outros. Não vou alongar esta história porque, embora admire o racionalismo de Hobbes, dos contratualistas, é ele quem eu menos gosto -- aliás, não gosto. O fato é que a humanidade que eu acabo de conhecer foi melhor definida por Rousseau, para quem o homem é um ser bom por natureza. Pelo menos este aspecto da tese de Rousseau, que antagoniza a de Hobbes, eu pude confirmar através de três importantes demonstrações, duas das quais vou descrever aqui.

Primeiro, a abnegação total da equipe médica que salvou a vida do meu filho. São profissionais reconhecidos no meio médico e acadêmico: o pediatra, Dr. Enio Rotta; o cirurgião-pediatra, Dr. José Carlos Fraga; a pediatra-intensivista, Dra. Kátia Giugno. Eles têm pais, filhos, marido/esposas, consultório, vida acadêmica, alunos, artigos para publicar, pesquisas para acompanhar, e tudo aquilo que exige a dedicação de todo mundo. Poderiam, portanto, como todo mundo, estar preocupados com o próprio umbigo, permanecendo naquele confortável perímetro que nos contorna a cintura. Os três são pessoas bem sucedidas que poderiam estar usufruindo do sucesso profissional do modo como as pessoas geralmente gostam de usufruir do sucesso profissional, isto é, premiando-se com aquilo que desejam, viajando pelo mundo, jantando em bons restaurantes, passeando, acordando tarde, descansando nos finais de semana, indo ao cinema, lendo bons livros, ou simplesmente passando as noites em casa junto das suas pessoas amadas, que é como eu gosto de desfrutar dos meus momentos premiais...

Mas não. Eles passam os seus momentos premiais cuidando de crianças no limite, como o meu filho. Passam aqui a todo o momento, cuidam do André com muito carinho, rezam junto pela sua melhora, querem a melhora dele tanto quanto nós que somos pais. Eles têm as suas famílias, entretanto estão aqui, salvando a minha família. Na sexta à noite, 21:30, aqui ainda estava a Dra. Kátia, em pleno dia de comemorar o seu aniversário de casamento, cuidando do André e de nós, pais, falando sobre questões existenciais numa conversa que certamente vai influenciar o nosso futuro e iluminar a nossa vida. A abnegação dessas pessoas, a sua generosidade com o próximo (em detrimento do que é ou poderia ser seu), me tocam muito, e levam por água abaixo aquele aspecto da tese de Hobbes, de que o homem é o inimigo do homem.

Segundo, a dedicação total das enfermeiras e dos médicos plantonistas da UTI pediátrica -- quanto carinho com os pequenos pacientes! Eles também têm vida própria e, no entanto, passam a noite aqui cuidando, zelando, se doando, para pessoas que estão apenas de passagem nas suas vidas. Executam procedimentos sentindo junto a dor do paciente. No Natal, no Ano-Novo... Vibram a cada melhora como se o paciente fosse um amigo próximo ou familiar. Passam as noites acordadas com a mesma disposição de quem desperta de um sono maravilhoso e reparador em uma manhã ensolarada. E eu que não troco(cava) uma boa noite de sono por nada... Cuidam tanto dos pacientes, quanto dos pais, sempre aflitos.

Enfim, em plena adversidade, eu, tão desiludida que andava com a vida e com o jeito como o mundo funciona, descobri que esse mesmo mundo pelo qual eu até então lamentava, é um lugar bom de estar. E, finalmente, posso acreditar que Hobbes estava errado.






Nenhum comentário:

Postar um comentário