Definitivamente, eu não gosto de unanimidade. O livro Comer, Rezar, Amar, de Liz Gilbert, vendeu milhões e milhões de cópias mundo afora e é um daqueles livros sobre o qual eu simplesmente diria: não li e não gostei. Ver o filme, em que a Julia Roberts interpreta o papel da autora por duas horas, já tomou o tempo suficiente que eu dispensaria com Comer, Rezar, Amar. O filme é bom. Nada mais que isso. Mas o que mais me ocupou a mente foi indagar o que faz de Liz Gilbert a heroína de sua própria história e o que atraiu tantos milhões de mulheres a dedicarem seu tempo para conhecê-la.
Liz deixou um casamento sem filhos, porque já não amava mais o ex-marido. O que tem demais nisso?! Que tragédia é essa que tem que ser superada com um ano de viagens que incluíram restaurantes, meditação e o encontro de um novo amor? Será que eu perdi alguma coisa?!
Heroína não é a Liz, que foge mundo afora do seu minúsculo problema. Eu penso que é um problema minúsculo lidar com a culpa por ser honesto e deixar alguém a quem não se ama mais, sem ter filhos ou cobrança familiar pedindo por explicações. Qualquer problema que nos permita virar a página e não mais retroceder é minúsculo. Liz, portanto, não é uma heroína. A não ser por transformar seu problema minúsculo em algo gigantesco do que ela tem que fugir. Assim: comer, rezar e amar para fugir dos problemas -- eu vejo gente fazendo isso todo santo dia sem sair de casa.
Heroína é quem faz de tudo para recuperar o amor perdido, quem faz de tudo para manter um casamento feliz porque tem filhos e valoriza a família, ou quem enfrenta e pede um divórcio e fica com os filhos e as culpas para administrar -- pelo resto da vida, sem poder virar a página... Pois o que a história de Liz confirma é a prova de sua humanidade, e não de seu heroísmo. Vejam só:
Primeira prova: Liz come para preencher os seus vazios. Que coisa mais primitiva! Perguntem às mulheres -- as normais, modelo não vale -- o que elas fazem a partir das 7 da noite...
Segunda prova: Liz precisou de uma temporada na Índia em sua viagem de auto-conhecimento. Mas as horas e dias de meditação pouco ajudaram essa heroína. Ela só se deu por resolvida, mesmo, depois de utilizar aquele artifício que todo pobre mortal utiliza para enfrentar os seus problemas: se consolar com a desgraça alheia. Sim, porque só depois de ouvir a triste história do seu companheiro de retiro espiritual (esta uma tragédia mesmo: alcoólatra que perde a família e tudo mais por causa do vício) é que ela se deu por curada dos males do espírito. Agora: quem precisa ir pra Índia pra isso?! É só telefonar pro vizinho, pois todo mundo sempre tem do que se queixar!!!
Terceira prova: o final -- ah, o final! Liz encontra um novo amor. Com todo o respeito, não existe cliché maior do que encontrar um novo amor para curar o amor perdido... Como eu disse, Liz passa longe de ser heroína, o que não significa não atribuir qualquer valor a sua humanidade.
Para mim, o que mais tem apelo em Comer, Rezar, Amar é o reencontro de Liz com sua liberdade. Isso sim, me causou inveja, e me fez desejar ser uma Liz Gilbert por duas horas. Ninguém precisa de um ano de viagens pelo mundo afora para superar qualquer problema, mas é bom simplesmente PODER fazer isso. Poder escolher por sair mundo afora, sozinha, sem hora pra nada, sem satisfação para dar a ninguém, sem compromisso marcado... Chegar em um lugar novo, gostar, e simplesmente decidir ficar mais alguns dias ou meses. Isso sim tem apelo para mulheres cheias de responsabilidades, filhos, pais, casa e trabalho, para dizer o mínimo. Eu tenho saudade do tempo em que eu saía de casa de manhã cedo sem ter hora para voltar, sem pensar no compromisso em voltar pra casa...
Eu não trocaria a minha vida por toda essa liberdade, mas só de imaginá-la eu percebo o apelo da questão. Ainda assim, Liz Gilbert não representa uma heroína. Se ela não tivesse escrito essa história cheia de apelo ao imaginário feminino e vendido milhões de exemplares, ela teria simplesmente voltado pra casa de namorado novo e teria que ter reconstruído tudo o que deixou para trás do zero, ir atrás de novo emprego, nova casa, tudo de novo. Seria a anti-heroína, vivendo a vida como ela é. Quando muito, Liz Gilbert está mais para um sonho, e, mesmo assim, um daqueles que a gente só realizaria noutra vida...
SENSACIONAL, Ana! Não li o livro, não vi o filme, mas me perguntava que tal divórcio "traumático" faz uma pessoa precisar de um ano viajando pra superar tudo e ser tão badalada? Todo divórcio é traumático, toda separação é. O dela foi pior? Pelo que vi agora não. Dificil mesmo é ficar aqui, é enfrentar tudo na mesma mas com tudo diferente. Bom pra ela poder viajar, mas pelamordedeus, menossssssss badalação, né, gente. Ufa, me sinto aliviada com esse teu post. Disse tudo o que eu penso. Pena que minha mãe não escreveu um livro sobra a separação dela, heroína por heroína, minha mãe foi beeem mais ;-) Beijos
ResponderExcluirÉ, acho que a minha mãe também perdeu alguns milhões por não vender a sua história... Vai ver fomos nós, filhas, que não demos sossego pra elas quando elas ainda tinham fôlego!
ResponderExcluirBjs!
Ótima critica.
ResponderExcluirTirar um ano sabático para curar uma separação, vale para os homens? Vou tirar logo uns 10 anos.
Bjs.