segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Em Busca da Felicidade

Outro dia ouvi uma história incrível, contada por uma amiga inteligente, descolada e viajada, dessas cidadãs do mundo. Fiquei fascinada e comovida. Claro que vou narrá-la do meu jeito e sem riqueza nos detalhes, mas ainda que adicione um pouquinho de ficção, na essência é tudo verdade.

Cena 1:
Bangkok, Tailândia. 20 horas de vôo para atender o convite a um casamento gay. O noivo 1 era um amigo dos tempos de Harvard, um suíço super-hiper-mega bem sucedido no meio empresarial. Tem que dizer isso, pois, no imaginário popular, gay rico é muito mais divertido que gay pobre, e aquele casamento, segundo narrativa da minha amiga, parecia a festa promovida por Stan e Anthony em Sex and The City 2. O noivo 2 era da Indonésia, lugar onde se apaixonaram perdidamente. O casamento teve toda a pompa e circunstância, digno de sonho de noiva, só que, no caso, haviam dois noivos, lindos noivos - para desespero total das solteiras encalhadas. As famílias -mesmo a família suíça, aristocrática e conservadora- estavam felizes. Aliás, todo mundo presente estava feliz e represando qualquer eventual preconceito, afinal, aquele casamento sintentizava uma parte do caminho que aquelas duas pessoas trilham em busca da felicidade e era a condição para o próximo passo do casal: filhos. Pois os noivos, que são bem tradicionais, querem constituir uma família tradicional, e farão, cada um deles, uma inseminação artificial com a mesma mãe - a locadora da barriga de aluguel. "Amai e multiplicai-vos", diz a lenda -- e os gays também amam e se multiplicam (sem trocadilho).

Cena 2:
Tokyo, uma semana depois. Minha amiga encontrou-se com outro ex-colega bem sucedido de Harvard,  mas desta vez, um industrial japonês. O japa, já sob certo efeito de Veuve Clicquot, desabou a chorar -- sua amada esposa queria o divórcio. Aí ele contou o drama: tentaram engravidar por vários anos, com todos os recursos disponíveis, mas ela não pôde ter filhos. Ele queria adotar, mas ela não admite a hipótese de adoção. (Parêntesis: Cá entre nós, se eu a conhecesse, perderia a amiga mas jamais a piada: "- deixa de ser boba mulher, japinha é tudo igualzinho!") Humor negro de lado (será que ainda dá pra dizer humor "negro" ou tem que ser "afro-descendente"?!), o coitado quer muito um herdeiro, mas ela, embora o ame, quer deixá-lo livre para realizar o sonho da paternidade com quem possa levar o projeto a bom termo. Então, ela quer o divórcio. Mas ele quer a esposa! Não quer outra pessoa, só quer filhos, só que a esposa não quer filhos de outra pessoa. Que coisa...

Cena 3:
Minha amiga me contando tudo isso no sofá da minha casa. Concluímos que o interessante é o seguinte: não importa o contexto, o lugar, o ano, o século, as pessoas, o grau de escolaridade. Desde que o mundo é mundo, as pessoas querem mesmo é isso: amar e procriar. Não importa o sexo, nacionalidade, idade, profissão ou condição financeira: as pessoas querem amar, ser amadas, e a maior parte quer também ter filhos, que são a ampliação do amor. Não adianta ter "tudo" e não ter amor ou filhos (isto é, quando se os deseja muito), seria como ter nada - esta é a mensagem subliminar. Como cantava o grande Renato Russo, recitando a Primeira Epístola aos Coríntios, "ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, sem amor, eu nada seria..."

Cena 4:
Minha amiga deu a volta ao mundo em 10 dias, viu de tudo (tudo mesmo), e voltou para casa. Olhou para as filhas, aquelas bênçãos divinas, e deu-se conta do quanto era feliz. Para ela, terminava ali a busca da felicidade.

Moral da história para as mães que vivem reclamando: sejam felizes e parem de reclamar!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Comer, Rezar, Amar = Fugir!

Definitivamente, eu não gosto de unanimidade. O livro Comer, Rezar, Amar, de Liz Gilbert, vendeu milhões e milhões de cópias mundo afora e é um daqueles livros sobre o qual eu simplesmente diria: não li e não gostei. Ver o filme, em que a Julia Roberts interpreta o papel da autora por duas horas, já tomou o tempo suficiente que eu dispensaria com Comer, Rezar, Amar. O filme é bom. Nada mais que isso. Mas o que mais me ocupou a mente foi indagar o que faz de Liz Gilbert a heroína de sua própria história e o que atraiu tantos milhões de mulheres a dedicarem seu tempo para conhecê-la.

Liz deixou um casamento sem filhos, porque já não amava mais o ex-marido. O que tem demais nisso?! Que tragédia é essa que tem que ser superada com um ano de viagens que incluíram restaurantes, meditação e o encontro de um novo amor? Será que eu perdi alguma coisa?!

Heroína não é a Liz, que foge mundo afora do seu minúsculo problema. Eu penso que é um problema minúsculo lidar com a culpa por ser honesto e deixar alguém a quem não se ama mais, sem ter filhos ou cobrança familiar pedindo por explicações. Qualquer problema que nos permita virar a página e não mais retroceder é minúsculo. Liz, portanto, não é uma heroína. A não ser por transformar seu problema minúsculo em algo gigantesco do que ela tem que fugir. Assim: comer, rezar e amar para fugir dos problemas -- eu vejo gente fazendo isso todo santo dia sem sair de casa.

Heroína é quem faz de tudo para recuperar o amor perdido, quem faz de tudo para manter um casamento feliz porque tem filhos e valoriza a família, ou quem enfrenta e pede um divórcio e fica com os filhos e as culpas para administrar -- pelo resto da vida, sem poder virar a página... Pois o que a história de Liz confirma é a prova de sua humanidade, e não de seu heroísmo. Vejam só:

Primeira prova: Liz come para preencher os seus vazios. Que coisa mais primitiva! Perguntem às mulheres -- as normais, modelo não vale -- o que elas fazem a partir das 7 da noite...

Segunda prova: Liz precisou de uma temporada na Índia em sua viagem de auto-conhecimento. Mas as horas e dias de meditação pouco ajudaram essa heroína. Ela só se deu por resolvida, mesmo, depois de utilizar aquele artifício que todo pobre mortal utiliza para enfrentar os seus problemas: se consolar com a desgraça alheia. Sim, porque só depois de ouvir a triste história do seu companheiro de retiro espiritual (esta uma tragédia mesmo: alcoólatra que perde a família e tudo mais por causa do vício) é que ela se deu por curada dos males do espírito. Agora: quem precisa ir pra Índia pra isso?! É só telefonar pro vizinho, pois todo mundo sempre tem do que se queixar!!!

Terceira prova: o final -- ah, o final! Liz encontra um  novo amor. Com todo o respeito, não existe cliché maior do que encontrar um novo amor para curar o amor perdido... Como eu disse, Liz passa longe de ser heroína, o que não significa não atribuir qualquer valor a sua humanidade.

Para mim, o que mais tem apelo em Comer, Rezar, Amar é o reencontro de Liz com sua liberdade. Isso sim, me causou inveja, e me fez desejar ser uma Liz Gilbert por duas horas. Ninguém precisa de um ano de viagens pelo mundo afora para superar qualquer problema, mas é bom simplesmente PODER fazer isso. Poder escolher por sair mundo afora, sozinha, sem hora pra nada, sem satisfação para dar a ninguém, sem compromisso marcado... Chegar em um lugar novo, gostar, e simplesmente decidir ficar mais alguns dias ou meses. Isso sim tem apelo para mulheres cheias de responsabilidades, filhos, pais, casa e trabalho, para dizer o mínimo. Eu tenho saudade do tempo em que eu saía de casa de manhã cedo sem ter hora para voltar, sem pensar no compromisso em voltar pra casa...

Eu não trocaria a minha vida por toda essa liberdade, mas só de imaginá-la eu percebo o apelo da questão. Ainda assim, Liz Gilbert não representa uma heroína. Se ela não tivesse escrito essa história cheia de apelo ao imaginário feminino e vendido milhões de exemplares, ela teria simplesmente voltado pra casa de namorado novo e teria que ter reconstruído tudo o que deixou para trás do zero, ir atrás de novo emprego, nova casa, tudo de novo. Seria a anti-heroína, vivendo a vida como ela é.  Quando muito, Liz Gilbert está mais para um sonho, e, mesmo assim, um daqueles que a gente só realizaria noutra vida...