quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Lição n. 4: No More Drugs

É quase consenso que o uso da maconha é a porta de entrada para o uso de drogas mais pesadas, que atraem o usuário à dependência química e condenam o coitado a jamais voltar a ser o que era, ou jamais ser o que poderia um dia ter sido.

Errado. A porta de entrada para o uso de drogas mais pesadas é o remédio. Exagero meu? Depois me digam...

Minha maior preocupação, de todas as preocupações, é como os meus filhos vão enfrentar, na adolescência, a questão das drogas ilícitas. Por isso, a lição n. 4 talvez seja a de maior aplicação prática que eu recebi nos meus dias de UTI pediátrica, e gostaria de dividi-la com mães que compartilhem da mesma preocupação. Para mim, uma lição que muda uma concepção ignorante e estreita que eu tinha sobre certos aspectos da vida e da farmacologia...

A lição começou quando tive que incorporar ao meu vocabulário expressões como "peritonite", "infecção generalizada", "entubar", "coma induzido", "hiperemia", "situação grave"...  Não estava conseguindo controlar a adrenalina. A taquicardia, o frio na barriga, a sensação de mau-pressentimento, como se a desgraça fosse iminente, isso tudo estava me impedindo de pensar positivamente, de acreditar que o meu filho fosse melhorar. Foi aí que tomei um "controlador de ansiedade"... Fiquei orgulhosa de minha imediata melhora, mas logo depois senti-me fraca.

Quem me conhece, sabe que sempre fui fã da indústria farmacêutica e do alívio imediato. Para mim, a invenção que mais ajudou a humanidade não foi a roda: foi, disparado, a anestesia! Que maravilha não sentir dor! Qualquer dor... Não chego a ser hipocondríaca, mas adoro um remédinho. No meu armário do banheiro, além de uma verdadeira fortuna em cremes faciais, tenho remédio pra tudo: dor de cabeça, insônia, tosse, alergia, dor de garganta, cansaço... O pior é que não sou nada diferente da grande maioria das pessoas que eu conheço.

Pois a Doutora Kátia Giugno, minha Deusa (eu sempre tive uma Musa, a Judith Martins-Costa, e agora tenho também uma Deusa, a Kátia Giugno), me alertou para questões que eu nunca ponderei ao discar o Alô-Panvel. A Dra. Kátia me explicou a importância de buscarmos, no nosso interior, as forças suficientes para lidarmos com a dor, com a ansiedade e com as frustrações. As pessoas, de um modo geral, têm desistido de desenvolver as suas potencialidades, a sua força, porque é muito mais fácil fazer o uso de uma bengalinha química e com isso camuflar os sentimentos que fazem parte da rotina de todo indivíduo: angústia, tristeza, ansiedade, preocupações, medos, dúvidas, insegurança -- e a lista é interminável. Então, em vez de lidarmos com esses sentimentos, colocamos tudo debaixo do tapete químico.

Quem acha que esse discurso parece discurso de auto-ajuda, espere até o argumento ser concluído. Incorporamos, com muita naturalidade, o remédio -- a droga lícita -- em nossa rotina, e isso acaba sendo, inconscientemente, transmitido aos nossos filhos pequenos, através do exemplo ou diretamente. Senão, vejamos. Através do exemplo: nossos filhos vêem que, se estamos tristes ou indispostos, ou inseguros, tomamos anti-depressivos, se não conseguimos dormir, tomamos remédio pra dormir, se temos dor de cabeça, tomamos um analgésico, se estamos cansados, tomamos vitaminas, cápsulas de guaraná ou energéticos, se vamos viajar de avião, tomamos calmantes anti-medo-de-avião... Já, diretamente, para as crianças: qualquer dorzinha, damos um tylenolzinho... Qualquer arranhãozinho, colamos um band-aid... Qualquer tossezinha, damos xarope, anti-alérgico... Narizinho correu, gotinhas... Tudo sem um telefonema ao pediatra. Atire a primeira pedra quem nunca cometeu algum desses pecadilhos com a melhor das intenções (e não me interpretem mal, em caso de doença séria, tem que levar no pediatra e fazer tudo o que ele disser e dar tudo o que ele mandar).

Num plano mais grave, tem ainda aqueles pais (e aqui, definitivamente, não me incluo) que têm filhos arteiros ou simplesmente mal educados (este atributo diz respeito aos pais, lógico), e, desejando alívio imediato, arrumam-lhes um psiquiatra-qualquer que logo os diagnostique como hiperativos ou portadores de SDA (Síndrome do Déficit de Atenção). Se pensarem bem, ninguém admite que o filho é mal educado, apenas lamenta que a criança tenha SDA ou seja hiperativo. Claro que um diagnóstico desses vem acompanhado do respectivo remédinho, e nunca antes as lancheiras foram tão equipadas com Ritalina e similares. É a lobotomia via oral. A bengalinha química milagrosa que vai deixar o filhinho bem calminho e fácil de controlar, exigindo menos dos sempre atarefados pais. E, convenhamos, o "sistema" torna tudo muito fácil, pois nada mais interessante para um psiquiatra-não-muito-sério  do que uma criança "portadora" de qualquer dessas desordens: sendo males do espírito e não do corpo, eles não aparecem em raio-X e tanto podem ser como não ser; sem falar que, por óbvio, crianças são mercado de futuros, algo como renda-fixa de longo prazo para o profissional liberal (e neoliberal)... Não quero simplificar com a generalização e sei que existem casos sérios de SDA e hiperatividade, que devem ser tratados por profissionais igualmente sérios. Mas eu, como mãe, pensaria duas vezes, ou consultaria mais de um médico. Eu mesma era uma criança bem arteira que hoje, provavelmente, seria classificada como hiperativa. Mas, naquele tempo, as velhas palmadinhas (que o Lula proibiu para resolver os males da educação infantil), me enquadraram satisfatoriamente - e sem efeitos colaterais.*

O problema em trocarmos as nossas defesas pela química não é tão grave, pois somos adultos e temos discernimento para optar entre o certo e o errado e arcar com as consequências da segunda opção. Mas com as crianças, segundo me explicou a Dra. Kátia (e faz todo o sentido), isso pode levá-los a acreditar que há sempre um remédinho para cada frustração ou dificuldade. Assim, deixam de desenvolver aquela força interior, a auto-afirmação e segurança necessárias para o enfrentamento dessas situações.

E, quando chega a adolescência, aquele momento em que os jovens e seus bagunçados hormônios ficam ainda mais vulneráveis ao peso dos medos e das frustrações, isso pode ser a porta de entrada para o uso dos "remédios" ilícitos. Eles não verão problema algum em recorrer às drogas para o alívio imediato das suas frustrações, pois isso foi o que sempre fizeram (e foram incentivados a fazer, diretamente ou através do nosso exemplo). Só que agora, eles terão à sua disposição o álcool e as drogas ilícitas, que rolam nas festas, nas casas de amigos, e baladas que eles passam a frequentar. O que os ajudará a dizer NÃO, que é o que todos nós almejamos, é a auto-afirmação. É isso o que estamos negando aos nossos filhos cada vez que lhes alcançamos, por quase nada, o remédinho fácil, de alívio imediato.

Posso estar exagerando, eu sei. Eu me inflamo facilmente, mas neste caso não vou usar anti-inflamatório. Pelo menos para mim, a conversa, cuja síntese eu aqui descrevo subjetivamente e com certo exagero, foi de uma racionalidade auto-explicativa. Vi lógica em tudo o que ouvi da Dra. Kátia. Ela me deu visão de longo alcance sobre um tema que me incomoda muito, com demonstração cabal de causa e consequência, ação e reação. Ter visão de longo alcance é uma verdadeira bênção: nos ajuda a prevenir em vez de remediar.

Posso estar mesmo exagerando mas, pelo sim, pelo não, lá em casa, no more drugs.

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*O parágrafo sobre a SDA e hiperatividade é produto da minha exclusiva observação, exagero e/ou fantasia, de modo que exonero a Dra. Kátia de qualquer comentário ou responsabilidade que possa suscitar a desconfiança em relação aos psiquiatras - eu mesma tenho um ótimo. Aliás, ressalto que não fiz referência aos psiquiatras em geral, mas ao psiquiatra-qualquer e aos psiquiatras-não-muito-sérios, aqueles que existem apenas para que se possa reconhecer a seriedade dos psiquiatras-sérios, como é o caso do meu.  
Também não quis dizer que os pais de filhos portadores de SDA ou hiperatividade sejam "mal-educantes". E nem que os portadores reais de SDA ou hiperatividade sejam simplesmente mal educados. Nem que SDA ou hiperatividade sejam pseudo-doenças. Nem que a palmadinha seja um bom educativo - eu mesma, independentemente do Lula, nunca utilizei. Minha ignorância não é tão grande na sua infinitude.
...Pensando bem, são 2 da manhã, e este é um blog politicamente incorreto. Logo, interpretem como quiserem, dêem sua opinião contrária, diminuam a minha ignorância!
(Ai ai, estou voltando a ser eu mesma! A questão é: - Será que isso é bom?)

5 comentários:

  1. Ana Paula!!
    Que bom que essa experiência te deu novos conhecimentos.Mas,essa questão do uso de drogas é tão mais complexa!!Esse aspecto da ingestão de medicamentos é apenas UM dos ítens que devemos ficar atentos!!Tem muitos outros tão importantes quanto...por exemplo...Como ajudamos nossos filhos a enfrentar suas inseguranças,fantasias e medos??Somos permissivos,autoridades ou autoritários na educação deles??

    Enfim,nada fácil a nossa tarefa de educadoras!!

    bjs

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  2. Pois é, Sil, sempre penso muito em tudo isso. Até não dar tudo pra eles faz parte desta discussão, assim como não querer resolver tudo por eles. Tem que deixar que eles sofram um pouquinho, aprendam a se virar.
    A idéia do post é não usar a química em vez da necessária educação. Essa questão do remédio me pegou de surpresa, primeiro porque já acompanhei um caso de dependência química de perto e tenho pânico disso. Segundo, porque eu mesma faço muito uso dessas bengalinhas e conheço muita gente igual... Algo que eu pretendo realmente mudar, pois não quero ser influência para as minhas crianças neste aspecto...
    Bjs!

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  3. Achei ótimas suas observações. Não foram exageradas, mas sim autênticas, de uma pessoa sensível e informada percebendo que a química no cérebro não tem o poder da cura. Controla sintomas em algumas ocasiões, mas não substitui o que é verdadeiramente humano.
    Em relação às drogas, são tentativas de criar um mundo paralelo mais aceitável, dentro de uma miséria afetiva bem real. O amor e o respeito aos filhos é o melhor antídoto que existe contra elas. Um abraço!

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  4. Como tu sabes também sou fã da indústria farmacêutica....Mas concordo que o maior desafio é saber QUANDO usar o remédio. Eu que sou "portadora" de uma síndrome dolorosa (fibromialgia) o desafio é maior ainda! O problema, creio eu, são os extremos: não tomar tylenol ainda que esteja com febre de 40 e tomar tylenol depois de uma dor de cabeça de 5 minutos! Como tudo na vida, temos que encontrar o meio-termo....Os remédios são uma ferramenta para amenizar sintomas e não um modo de vida. Enfim, só creio que não podemos ser ufanistas, para quando o pediatra efetivamente receitar o antibiótico ou o remédio da asma os pais tenham receio de medicá-lo!

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  5. Rache... Nada como ter uma alma gêmea - captaste bem a mensagem! Tudo que o pediatra mandar tem que confiar cegamente! O recado é mais para os medicamentos para a dor do espírito, esses dos quais tem gente que abusa por qualquer motivo - briga com namorado, frustração no trabalho, a Dilma está na frente do Serra, perdemos a Copa...
    Bjs!

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