segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Comer, Rezar, Amar = Fugir!

Definitivamente, eu não gosto de unanimidade. O livro Comer, Rezar, Amar, de Liz Gilbert, vendeu milhões e milhões de cópias mundo afora e é um daqueles livros sobre o qual eu simplesmente diria: não li e não gostei. Ver o filme, em que a Julia Roberts interpreta o papel da autora por duas horas, já tomou o tempo suficiente que eu dispensaria com Comer, Rezar, Amar. O filme é bom. Nada mais que isso. Mas o que mais me ocupou a mente foi indagar o que faz de Liz Gilbert a heroína de sua própria história e o que atraiu tantos milhões de mulheres a dedicarem seu tempo para conhecê-la.

Liz deixou um casamento sem filhos, porque já não amava mais o ex-marido. O que tem demais nisso?! Que tragédia é essa que tem que ser superada com um ano de viagens que incluíram restaurantes, meditação e o encontro de um novo amor? Será que eu perdi alguma coisa?!

Heroína não é a Liz, que foge mundo afora do seu minúsculo problema. Eu penso que é um problema minúsculo lidar com a culpa por ser honesto e deixar alguém a quem não se ama mais, sem ter filhos ou cobrança familiar pedindo por explicações. Qualquer problema que nos permita virar a página e não mais retroceder é minúsculo. Liz, portanto, não é uma heroína. A não ser por transformar seu problema minúsculo em algo gigantesco do que ela tem que fugir. Assim: comer, rezar e amar para fugir dos problemas -- eu vejo gente fazendo isso todo santo dia sem sair de casa.

Heroína é quem faz de tudo para recuperar o amor perdido, quem faz de tudo para manter um casamento feliz porque tem filhos e valoriza a família, ou quem enfrenta e pede um divórcio e fica com os filhos e as culpas para administrar -- pelo resto da vida, sem poder virar a página... Pois o que a história de Liz confirma é a prova de sua humanidade, e não de seu heroísmo. Vejam só:

Primeira prova: Liz come para preencher os seus vazios. Que coisa mais primitiva! Perguntem às mulheres -- as normais, modelo não vale -- o que elas fazem a partir das 7 da noite...

Segunda prova: Liz precisou de uma temporada na Índia em sua viagem de auto-conhecimento. Mas as horas e dias de meditação pouco ajudaram essa heroína. Ela só se deu por resolvida, mesmo, depois de utilizar aquele artifício que todo pobre mortal utiliza para enfrentar os seus problemas: se consolar com a desgraça alheia. Sim, porque só depois de ouvir a triste história do seu companheiro de retiro espiritual (esta uma tragédia mesmo: alcoólatra que perde a família e tudo mais por causa do vício) é que ela se deu por curada dos males do espírito. Agora: quem precisa ir pra Índia pra isso?! É só telefonar pro vizinho, pois todo mundo sempre tem do que se queixar!!!

Terceira prova: o final -- ah, o final! Liz encontra um  novo amor. Com todo o respeito, não existe cliché maior do que encontrar um novo amor para curar o amor perdido... Como eu disse, Liz passa longe de ser heroína, o que não significa não atribuir qualquer valor a sua humanidade.

Para mim, o que mais tem apelo em Comer, Rezar, Amar é o reencontro de Liz com sua liberdade. Isso sim, me causou inveja, e me fez desejar ser uma Liz Gilbert por duas horas. Ninguém precisa de um ano de viagens pelo mundo afora para superar qualquer problema, mas é bom simplesmente PODER fazer isso. Poder escolher por sair mundo afora, sozinha, sem hora pra nada, sem satisfação para dar a ninguém, sem compromisso marcado... Chegar em um lugar novo, gostar, e simplesmente decidir ficar mais alguns dias ou meses. Isso sim tem apelo para mulheres cheias de responsabilidades, filhos, pais, casa e trabalho, para dizer o mínimo. Eu tenho saudade do tempo em que eu saía de casa de manhã cedo sem ter hora para voltar, sem pensar no compromisso em voltar pra casa...

Eu não trocaria a minha vida por toda essa liberdade, mas só de imaginá-la eu percebo o apelo da questão. Ainda assim, Liz Gilbert não representa uma heroína. Se ela não tivesse escrito essa história cheia de apelo ao imaginário feminino e vendido milhões de exemplares, ela teria simplesmente voltado pra casa de namorado novo e teria que ter reconstruído tudo o que deixou para trás do zero, ir atrás de novo emprego, nova casa, tudo de novo. Seria a anti-heroína, vivendo a vida como ela é.  Quando muito, Liz Gilbert está mais para um sonho, e, mesmo assim, um daqueles que a gente só realizaria noutra vida...

3 comentários:

  1. SENSACIONAL, Ana! Não li o livro, não vi o filme, mas me perguntava que tal divórcio "traumático" faz uma pessoa precisar de um ano viajando pra superar tudo e ser tão badalada? Todo divórcio é traumático, toda separação é. O dela foi pior? Pelo que vi agora não. Dificil mesmo é ficar aqui, é enfrentar tudo na mesma mas com tudo diferente. Bom pra ela poder viajar, mas pelamordedeus, menossssssss badalação, né, gente. Ufa, me sinto aliviada com esse teu post. Disse tudo o que eu penso. Pena que minha mãe não escreveu um livro sobra a separação dela, heroína por heroína, minha mãe foi beeem mais ;-) Beijos

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  2. É, acho que a minha mãe também perdeu alguns milhões por não vender a sua história... Vai ver fomos nós, filhas, que não demos sossego pra elas quando elas ainda tinham fôlego!
    Bjs!

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  3. Ótima critica.
    Tirar um ano sabático para curar uma separação, vale para os homens? Vou tirar logo uns 10 anos.
    Bjs.

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