segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Entre Corruptos e Chatos

O decisivo em uma sociedade é a cultura (costumes), e não as instituições (leis). Tocqueville é quem dizia isso e tinha toda a razão. Se a lei fosse decisiva, não teríamos de enfrentar os problemas que hoje enfrentamos no combate à corrupção.
Por um lado, no Brasil, o que não falta são leis. Mas temos de sobra, também, o desrespeito a elas. Por outro lado, a cultura brasileira consolidada no período colonial é a herança maldita do povo brasileiro. Hoje ficamos perplexos com a venda de votos e emendas orçamentárias pelos parlamentares, mas José Murilo de Carvalho (em seu excelente Cidadania no Brasil - o longo caminho) demonstra que já estava tudo lá, no período colonial: foi só ampliar-se o direito ao voto que os próprios eleitores deram-se conta de que havia nele um valor: um valor exprimível em moeda, ou favores.
Foi assim que evoluímos enquanto povo, naturalmente corruptos, ladeados pela cultura do "jeitinho", sem a consciência da cidadania, de civilidade, da noção de bem comum. Também nos escapa a noção de "alteridade", isto é, da existência do outro, e por isso a regra de ouro da filosofia ("como tu comigo, assim eu contigo"), mais tarde transformada no imperativo categórico kantiano, funciona tão mal por aqui. Minha tese é de que a corrupção começa em casa - inclusive na nossa casa. Não há diferença essencial  entre o sujeito que desvia dinheiro público e o sujeito que sai dirigindo seu automóvel depois de beber. Os dois descumprem a lei, por certo, e aí falha a instituição. Mas os dois demonstram total descaso pelo próximo e pelo bem comum, que no primeiro caso, se expressam nas políticas públicas que seriam atendidas com o dinheiro desviado, e, no segundo, na segurança de outros motoristas e do trânsito em geral, colocado em sério risco por condutores mais ou menos embriagados. Aqui está a falha cultural: a ausência de uma consciência coletiva, da assunção de limitações individuais em favor de um bem comum, muito maior. O fracasso da Lei Seca é, pois, o fracasso da nossa civilidade.
Assim como as pessoas em geral bebem e depois dirigem, elas também não se incomodam muito em ouvir música em volume que perturbe o sossego dos vizinhos, em estacionar em locais proibidos, em postar a imagem de amigos sem autorização na internet, em comprar CDs e DVDs piratas, ou produtos falsificados, em colocar mesas de bar sobre as calçadas, em se apropriar do iPhone alheio que foi esquecido em cima do balcão ("achado não é roubado", dirão), em comprar/vender uma receita médica,  ou em recomendar um remédio porque recebe patrocínio do laboratório, em conseguir uma cópia da prova do colégio antes que a mesma seja realizada, ou pedir ao professor que ignore faltas que existiram... São alguns desvios (uns pequenos, outros maiores) que todos nós já vimos acontecer e têm em comum o traço do descaso pelas instituições (regras) ou pelos outros e pelo bem comum.
O certo, é que a vigilância deve começar em casa, com a família e com os amigos. Por certo, também, é que ao nos tornarmos vigilantes e seguirmos tudo ao pé da letra (e por "tudo" me refiro: leis e ética), nos tornaremos, na visão dos nossos próximos, uns chatos de galochas. Seríamos a sociedade dos chatos! Mas se alguém conhecer uma sociedade assim, me avise, pois é pra lá que eu vou... Até porque, onde todos são chatos, ninguém mais o é.

2 comentários:

  1. Prof. Ana Paula,

    Podemos aplicar o princípio da proporcionalidade e juntamente o da insignificância no caso dos pequenos delitos, que acha? ahahahah. Ou melhor, nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno (mais conhecido)...

    Abraços!
    --
    Thaísa Noschang.

    ResponderExcluir
  2. Prezada Professora Ana... faz tempo que não nos falamos, tive a grande oportunidade de ter sido sua aluna... e acabei lhe reencontrando pelo blog. Amei os seus textos... não demora tanto para postar! Beijo grande! Camila

    ResponderExcluir