quinta-feira, 7 de outubro de 2010

E o Salário...

Como está difícil ser professor de Direito Constitucional nesses dias de relativismo... O Supremo Tribunal  Federal está reduzindo a pó uma das poucas coisas em que eu ainda acreditava, que era o postulado da supremacia da Constituição. Era, porque a Constituição foi pra baixo do tapete, junto com tudo mais que importa neste país.


O placar estava em 5x5 quando foi suspenso o processo que declararia a inconstitucionalidade da Lei Complementar 135, de 04/6/2010, também conhecida como Lei da Ficha Limpa. Eu devo estar meio burrinha pois, de jeito nenhum, eu consegui entender como os 5 Ministros que defendem a constitucionalidade da lei, conseguiram reconhecer a validade da sua incidência nesta eleição, quando o art. 16 da Constituição diz, claríssima e literalmente: "lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência" (sublinhei). Para o bom entendedor, basta dizer que só para eleições a partir de junho de  2011 é que a lei poderia ser aplicada. E ponto.


A interpretação que se deu quanto à possibilidade de aplicação retroativa desta lei (a casos ocorridos no passado) já era, no mínimo, duvidosa, em face de tudo o que se entende por segurança jurídica. Mas no que diz respeito com seu primeiro ano de vigência, seria certo dizer, a partir da leitura do art. 16: ela não incide de jeito nenhum agora! Há, ainda, outros pontos de atrito com a Constituição, especialmente a questão da presunção de inocência, que, segundo ela, só é desfeita por decisão transitada em julgado; contudo, segundo a lei, isso já não é necessário, pois basta decisão de órgão colegiado, ainda que sem trânsito em julgado... Sequer seria necessário aprofundar tudo isso, pois o art. 16 já nos revela, sozinho, o absurdo do julgamento: transformar o dito em não-dito. Ou ignorar solenemente as palavras escritas, em bom português, na Lei Maior.


No raciocínio desses 5 Ministros, nada disso importa. A Constituição não importa. Eles jogaram para a torcida, alegando que o que importa é restituir a moralidade ao Brasil em caráter urgente, ainda que às custas da Constituição e de seus direitos fundamentais. E a imoralidade em atropelar a Constituição? Essa não conta?! Isso, do meu ponto de observação, suja a ficha dos Ministros do STF, aqueles que, segundo a Constituição, deveriam ser os seus guardiões. 


Enfim, agora fica difícil explicar aos alunos o sentido do postulado da supremacia da Constituição. Tudo culpa desses 5 Ministros do Supremo, que devem, eles próprios, ter faltado à aula dos postulados constitucionais. Pensando neles e nesta trapalhada com a Lei da Ficha Limpa, acabo lembrando a frase que se ouvia na velha escolinha do Professor Raymundo: "- E o salário, óóó..."

Um comentário:

  1. Ana, tô falante hoje! Deve ser o efeito da Keep Cooler. É que to rindo muito de mim. É que fui para minha poltrona assistir à sessão de julgamento. Tv Justiça, cafezinho, coisa e tal. Lá pelas tantas sai correndo atrás de uma CF, pobrezinha, surrada. Imaginando qual aula havia perdido (aula quartas, jogos do INTER, sentimento de culpa, auto-estima comprometida,...).
    Em face dos argumentos utilizados por metade dos assentos da mais alta corte até me animei a reler um livro muito mimoso de capa bege.
    Abs

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